Artigo - The Cure, dark com bom humor

Falar sobre The Cure no dia do rock (13 de julho) é um pretexto para lembrar de uma cena musical, que nasceu entre o fim da década de 1970 e início da de 1980, formada por bandas que uniram o rock com poesia, filosofia, tecnologia e cultura pop.

Joy Division, Bauhaus, Siouxie and the Banshess, Echo & The Bunnymen, Sisters Of Mercy, Jesus and Mary Chain, além do próprio Cure, são alguns dos principais expoentes desta cena.

Diferente da caricatura do roqueiro com calça detonada, camisa de lenhador e solos de guitarra, esse estilo subverteu o que já era subversivo, mudando a cara do rock a partir de uma nítida raiz punk. O resultado foi uma sonoridade com ar experimental e artístico.

Eles expressaram tão bem o ambiente de depressão econômica da década perdida que eu cheguei a usar um pequeno trecho da música Bela Lugosi’s Dead, do Bauhaus, em um vídeo que editei sobre uma greve de 1985, em uma metalúrgica paulistana na qual os trabalhadores eram tão explorados que muitos perdiam dedos, ou mesmo mãos e braços, nas máquinas. O ar trágico da música, poluída por ecos e ruídos metálicos, foi um fundo perfeito para a situação relatada.

Estas são características gerais do que se convencionou chamar de “pós punk”. O The Cure, fundado em 1978, embora seja a típica banda dark da década de 1980, tem um humor que o diferencia. Não um humor debochado e sarcástico como o do Toy Dolls e o Devo, mas um humor dócil, às vezes até infantil. Eles conseguiram adicionar graciosidade onde parecia impossível: ao rock gótico da década de 1980. Isso fica claro em músicas como Love Cats, Kiss Me, Kiss Me, Kiss Me, Lullaby e Let´s Go to Bed.

Os videoclipes, a maioria deles criados em parceria com o diretor Tim Pope, que também dirigiu vídeos de David Bowie e Iggy Pop, são um caso à parte. São pequenas histórias inusitadas que beiram o surrealismo. Um deles é o da música de Close to Me. Tim Pope enfiou os cinco músicos em um guarda-roupa abarrotado na beira de um penhasco e pediu que tocassem ali mesmo. O guarda-roupa cai no mar criando um caos ensopado de pessoas e coisas. E assim a música segue, em um cenário improvável que jamais seria desejado por artistas que vendem beleza, boa forma e sex appeal.

Em seu auge, o The Cure foi cultuado como uma seita. Cultuado por pessoas que tentavam assimilar o espírito excêntrico e reflexivo do vocalista Robert Smith, copiando seu cabelo arrepiado, sua maquiagem borrada e seus ternos pretos folgados. Eles também influenciaram diversas bandas, inclusive brasileiras, como os Titãs, Legião Urbana, Ira! e outras menos famosas como Violeta de Outono e Fellini.

As letras não são politizadas, nem sociológicas. Elas não falam sobre as dificuldades dos jovens em uma época de recessão e desemprego, ou de uma política que produz divisão de classe. Mas traduzem a falta de ânimo e o individualismo solitário em um mundo hostil. Eles são underground, afinal, avessos ao self-made-man e à competitividade, e isso, no quadro maior é ser “antissistema”.

Sombrios e, ao mesmo tempo, cintilantes, depressivos e, ao mesmo tempo, bem humorados, o The Cure conquistou seu lugar nos corações e mentes de uma geração desprezando as regras do status quo e, ao mesmo tempo, mostrando que há beleza e graça na melancolia.


Carolina Maria Ruy
Pesquisadora, jornalista e coordenadora do Centro de Memória Sindical.

 

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