Artigo - A reforma tributária aprovada pela Câmara

Há muitos anos se discute a necessidade de realizar uma reforma tributária neste país, a questão é qual a reforma tributária que precisamos e aí os posicionamentos são muito distintos. Para algumas basta simplificar, para outras é necessário desonerar os estados e para outras é fundamental realizar uma reforma tributária que seja mais justa e que possa corrigir os graves desiquilíbrios tributários que geram desigualdade e pobreza. Nos colocamos no campo daquela parte da sociedade que considera essencial que a reforma tributária seja realizada a favor dos mais pobres e vulneráveis, ou seja, justa e solidária.

Atualmente no Brasil os tributos correspondem a 34% do PIB, contudo, trata-se da alíquota nominal porque a alíquota real está entre 21-23% por conta dos mecanismos de evasão fiscal e, portanto, alinhada com o resto do mundo. E, diferentemente do que acontece na maior parte do mundo, os tributos sobre o consumo no Brasil representam praticamente 50% de tudo que se arrecada. Nos Estados Unidos corresponde a 17% e nos países da OCDE, em torno de 32%.

De acordo com os especialistas a tributação sobre o consumo é alta porque a tributação sobre a renda e a riqueza é muito baixa em nosso país. De acordo com estudos do IPEA, impostos sobre a renda e a propriedade representavam em 2012, em torno de 27%1, enquanto na maior parte dos países desenvolvidos pode superar os 50% e nos Estados Unidos é mais de 60%.

O caráter regressivo da carga tributária brasileira tem implicações profundas nos níveis de desigualdades, os 10% mais pobres comprometem 26,4% de sua renda com tributos, enquanto os 10% mais ricos apenas 19,2%, afetando principalmente as mulheres e pessoas negras que estão na base da pirâmide social, 39,7% das mulheres ocupadas no Brasil recebem até 1 salário mínimo. Além disso, as mulheres comprometem a maior fatia de sua renda com a compra dos meios de subsistência/alimentos.

Como está organizada a estrutura tributária

De forma simplificada tem-se os seguintes tipos de tributação: impostos diretos e indiretos, taxas e contribuições O imposto direto é aquele que incide sobre a renda e a riqueza (patrimônio). Nesse tipo de tributo, a pessoa que recolhe o imposto arca com a sua obrigação, por exemplo, imposto de renda.

Já o imposto indireto é aquele que incide sobre as transações de mercadorias e serviços. Nesse tipo de tributo, a empresa que recolhe o imposto não necessariamente arca com a sua obrigação, porque o recolhimento é feito de forma que se possa transferi-lo para terceiros. Nos impostos indiretos, tem-se o imposto sobre vendas de mercadorias e serviços. Na prática o custo dos tributos é repassado pelo vendedor do serviço ou produto (Contribuinte de Direito) para o consumidor (Contribuinte de Fato), sendo adicionado ao custo total da venda, ou seja, quem paga é o consumidor.

Os impostos indiretos são: ICMS (responsabilidade dos estados); ISS (responsabilidade dos municípios); IPI, PIS/COFINS (responsabilidade do governo federal).

O que foi aprovado na Câmara Federal

Desde 2019 duas propostas de reforma tributária passaram a receber maior atenção no Congresso Nacional e tratavam unicamente da reforma tributária sobre o consumo, a PEC 45/2019 em discussão na Câmara e a PEC 110/2020, sob análise no Senado. A primeira fase da reforma (PEC 45/2019) foi aprovada pela Câmara no dia 07 de julho e segue para o Senado. Portanto, trata-se de uma iniciativa do legislativo e incorporada pelo executivo.

A alteração do Sistema Tributário Nacional tem como principal objetivo a simplificação e a racionalização da tributação sobre a produção e a comercialização de bens e a prestação de serviços, base tributável atualmente compartilhada pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

Essa simplificação será realizada por meio da criação de um único imposto, Imposto sobre o Valor Agregado (IVA) e será dividido em duas partes: 1) a contribuição sobre bens e serviços (CBS) de arrecadação federal, que substitui IPI, PIS e COFINS; e, 2) Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) de arrecadação estadual e municipal, que substitui ICMS e ISS.

A reforma aprovada não se propõe a enfrentar o problema da regressividade e o Brasil continuará sendo um dos países mais desiguais do mundo. No entanto, vários especialistas destacam vantagens da simplificação sob vários aspectos, uma vez que desincentiva a guerra fiscal entre estados e municípios, a cobrança se dará no destino onde ocorre o consumo elevando a arrecadação dos estados que não são produtores e contribuindo para melhorar a distribuição regional; elimina a cumulatividade que é quando o tributo incide sobre o tributo pago em etapas anteriores o que penaliza as cadeias mais longas, o novo tributo incidirá apenas no valor que adicionou ao produto ou serviço naquela etapa do processo; há uma expectativa de que a homogeneização da tributação terá impacto positivo sobre a cesta de consumo das pessoas mais pobres.

Além disso, o projeto cria um imposto seletivo para desestimular o consumo de produtos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. Para compensar a elevada incidência de impostos sobre o consumo o projeto propõe a criação de um sistema de devolução de parte dos tributos (Cashback) para as pessoas mais pobres, mas ainda não está claro como será realizado, se por meio do cadastro dos programas de transferência de renda, CadastroÚnico por outro mecanismo, estima-se que mais de 70 milhões seriam beneficiadas.

Quanto a alíquota única se avalia que fique em torno de 25%, mas a sua definição se dará por meio de lei complementar. Outros aspectos da reforma são: permissão para maior cobrança sobre heranças no exterior, tributação progressiva sobre heranças e doações, um teto de até 8% a ser definido no âmbito do estado. A reforma também incluiu jatinhos, jet-ski e barcos de luxos na lista de veículos que precisarão pagar IPVA. Sem dúvida aspectos importantes da reforma.

Debate em torno da reforma tributária que precisamos

Desde 2018 que existe uma proposta de reforma tributária encampada pela oposição na época que contém vários pontos defendidos pelo grupo da Reforma Tributária Solidária e visa tornar o sistema mais justo, como defende a ANFIP. Em 2019 o projeto foi consolidado em uma emenda substitutiva à PEC 45/2019, base da atual reforma.

Defendemos a necessidade da reforma tributária para corrigir as distorções de nosso sistema tributário, contudo, avalia-se que a reforma sobre o consumo e sobre a renda e o patrimônio deveriam andar juntas, essa reforma em nada aliviará o peso da carga tributária sobre a população e precisamos enfrentar a injusta distribuição de renda em nossa sociedade, os ricos, os acionistas das grandes empresas não pagam impostos. A alíquota efetiva das pessoas jurídicas entre 2010-2019 foi de 14,3%. Até esse momento não se regulamentou o imposto sobre as grandes fortunas.

Os muito ricos no Brasil pagam pouco Imposto de Renda (IR) no comparativo com seus rendimentos. A alíquota do tributo direto cresce conforme o rendimento aumenta, mas somente de R$ 24,4 mil anuais até R$ 325 mil, quando atinge 12% dos ganhos. Caso a renda supere esse patamar, essa alíquota entra em trajetória de queda, chegando a 7% para quem ganha mais de R$ 1,3 milhão por ano.

De acordo com estudo do IPEA, a alíquota é baixa porque a maior parte do rendimento dos mais ricos vem de lucros e dividendos, que são isentos de tributação para as pessoas físicas. “Em média, o 0,05% mais rico (cem mil pessoas) paga menos imposto, proporcionalmente à sua renda, do que as cerca de 5,8 milhões de pessoas, incluindo frações da classe média-alta, que ganham acima de R$ 81,4 mil por ano”, diz o estudo.

O projeto também apresenta algumas novidades incluídas no último momento pelos estados e certamente será objeto de apreciação pelo Senado que poderá alterar parte do texto aprovado na Câmara. A expectativa é de que ainda no segundo semestre se encaminhe ao Congresso o projeto de reforma sobre a renda e o patrimônio.

Nestes últimos anos tem-se produzido muitos estudos e pesquisas que destacam o peso da tributação direta e indireta para a maioria da sociedade e, especialmente, o impacto para as mulheres chefes de família e únicas responsáveis pelo sustento de seus domicílios. Estes estudos precisam ganhar visibilidade e se transformar em pressão social e capacidade de incidência política para que de fato se alcance um sistema mais justo e igualitário.


Marilane Oliveira Teixeira
Economista, doutora em desenvolvimento econômico e social, professora e pesquisadora do CESIT-IE da UNICAMP E professora colaboradora do programa de pós-graduação em Ciências Sociais do IFCH, membra da Rede Brasileira de Economia Feminista – REBEF e assessora sindical

 

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