“Eu já senti o preconceito na pele dentro da minha própria diretoria. Um dos dirigentes do sindicato não aceitava o que eu falava. Era discussão constante. Não chegou à agressão física, mas teve muita agressão moral e psicológica até que conseguimos retirá-lo da diretoria”. Maria Aparecida Feliciani não é a única mulher a ter sua posição de liderança questionada pelos próprios companheiros de trabalho.
Há 20 anos no movimento sindical, a vice-presidente da CSB e presidente do Sindicato dos Empregados de Agentes Autônomos no Comércio de Jundiaí e Região (SEAAC – Jundiaí/SP) se torna estatística na história de um século que iniciou com apenas 10% dos sindicatos brasileiros presididos por mulheres; e que chega ao ano de 2018 com somente 10,5% dos assentos na Câmara dos Deputados e 16% no Senado Federal ocupados por mulheres segundo os últimos dados do IBGE – números que ainda são considerados resultados positivos de décadas de luta.
De acordo com a tese de doutorado “O princípio da igualdade em gênero e a participação das mulheres nas organizações sindicais de trabalhadores”, da doutora pela USP e pela Universidad da Castilla-LaMancha Candy Florencio Thomé, os esforços femininos pela participação no sindicalismo brasileiro começou em 1970.
No período, “o número de grevistas mulheres era significativo e em certas fábricas, onde a porcentagem de mulheres era alta, o movimento grevista foi desencadeado por elas”. Contudo, conforme o estudo, “apesar da expressiva participação […], [a presença feminina] nas assembleias e reuniões do sindicato permaneceu insignificante”, um cenário vivido pela maioria das sindicalistas brasileiras até os dias atuais.
“Com certeza o meio sindical é muito masculino. Isso porque, geralmente, a mulher enfrenta desafios para ir à luta. Um deles é a sobrecarga que a sociedade atribui à mulher de que somos nós que devemos cuidar da casa e da família. A nossa cultura machista diz que é a mulher (mesmo as que trabalham fora) que deve exercer as funções domésticas. Um tipo de pensamento que traz insegurança e é um empecilho para a mulher estar à frente de uma entidade sindical ou de um partido político. É preciso políticas públicas de conscientização para mudarmos essa realidade”, analisa Feliciani de forma coerente com as informações do IBGE.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, a soma da carga horária de trabalho da mulher entre serviço remunerado e afazeres domésticos alcança o patamar de 54,4 horas semanais, três horas a mais que os homens. Além disso, são elas que sofreram com o maior índice de desemprego do País no 4º trimestre de 2017. 6,2 milhões de mulheres estão sem trabalho (mais de 200 mil em comparação aos homens), e as que estão empregadas ainda ganham ¾ a menos do que os colegas de profissão, com um rendimento médio de R$ 1.764 contra R$ 2.306 da parcela masculina da população.
Para completar, em 2016, só 37,8% dos cargos gerenciais eram ocupados por mulheres no Brasil, o que também pode explicar o baixo rendimento salarial e justifica a necessidade da criação de políticas públicas que incentivem as lideranças femininas nos setores privados e públicos de acordo com a avaliação da vice-presidente da CSB Nacional Silvana Cândido.
“Eu acredito que precisamos pensar em ações realmente eficientes para estimular a liderança das mulheres. Cotas não são o suficiente. O que de fato falta na nossa sociedade é confiança em nós. Um exemplo acontece no ambiente político. Existe uma cota de 30% de candidatura feminina aos partidos (Lei 12.034/2009), mas não há estrutura e apoio para a mulher se eleger a um cargo nos poderes executivos ou legislativos. É diferente o tratamento entre homens e mulheres”, relata Cândido, que já foi vereadora e candidata à prefeita na cidade de Sapopema (PR).
Na análise da dirigente sindical, a falta de confiança nas mulheres é, inclusive, um gatilho para a misoginia, o feminicídio e execuções políticas como é a suspeita no caso da morte da vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco. Voz ativa em defesa das minorias no município, 5ª vereadora mais votada, feminista, negra e “cria da favela”, Marielle foi assassinada a tiros no dia 14 de março; a parlamentar era relatora da comissão que acompanhará a intervenção federal na segurança pública do Rio.
“A Marielle tinha um trabalho muito grande no lado social e tinha voz na Câmara de Vereadores. Como fui vereadora, posso dizer que também sofri algumas ameaças. Fui vereadora muito nova, com 18 anos, e quando comecei a fazer frente contra a violência, as ameaças foram grandes por eu ser mulher e uma mulher em cargo de destaque, que vai à luta, que vai na periferia, que vai onde está o problema. Infelizmente, muitas pessoas não querem essa mulher ativa”, conta Silvana, ratificada pela companheira de luta Lygia Sampaio.
Presidente da Federação dos Contabilistas nos Estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo e Bahia (FEDCONT/RJ) e vice-presidente da CSB, a sindicalista afirma que o assassinato de Marielle é reflexo da percepção da sociedade sobre a mulher como um elo frágil.
“A execução da vereadora foi um golpe duro na história do Rio de Janeiro e que será lembrado por décadas. Marielle foi morta por representar uma minoria, e a luta por direitos sempre incomoda aqueles que desejam perpetuar a injustiça e os preconceitos. Por isso, o empoderamento feminino incomoda”, complementa Sampaio.
Em pesquisa levantada pelo G1, os resultados apontaram que dos 4.473 homicídios dolosos registrados no País em 2017, 946 foram feminicídios – o que corresponde a 12 mulheres assassinadas por dia no Brasil, vítimas do machismo. Mato Grosso é o estado com a maior taxa: 4,6 mulheres a cada 100 mil, mas as piores estatísticas são de Ceará e Rondônia que nem contabilizam os números de feminicídios nos estados mesmo após a promulgação da Lei 13.104/2015, que prevê penalidades mais graves para crimes contra a mulher.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde, o Brasil ainda ocupa a 5ª posição dos países mais violentos para as mulheres (a pesquisa foi feita entre 83 nações). Em 2016, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 503 mulheres foram vítimas de agressão por hora no País.
Futuro e organização sindical
Apesar dos desafios históricos, as sindicalistas da CSB mantêm as esperanças de um futuro com equidade de gêneros, sororidade e livre de práticas patriarcais, como:
- Mansplaining (quando um homem quer explicar a uma mulher determinado assunto que ela domina – mais do que ele, inclusive);
- Manspreading (quando um homem abre as pernas ao sentar no transporte público, invadindo o espaço do passageiro ao lado – geralmente uma mulher);
- Manterrupting (quando um homem interrompe constantemente a fala de uma mulher);
- Bropriating (quando um homem repete a ideia de uma mulher como se fosse originalmente dele);
- Gaslighting (quando uma pessoa quer dizer que uma mulher está louca e paranoica, invalidando seus sentimentos).
Para Lydia Sampaio e Silvana Cândido, a valorização feminina deve ser uma das pautas prioritárias do movimento sindical para que seja possível construir uma sociedade mais igualitária. Segundo Silvana, não esquecer o caso de Marielle Franco deve fazer parte desta agenda de luta. “Nós temos que ir às Câmaras de Vereadores, às assembleias e dizer que não iremos nos calar ou nos amedrontar com o que aconteceu. Nós vamos nos fortalecer e nos unir para que a gente possa ter mais pessoas como a vereadora”, afirma a dirigente.
Exemplos dessas ações pró-lideranças femininas encontram-se dentro da própria CSB. Marcia Egea, presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Vestuários de Guarulhos (Sindvestuario), é uma das líderes da Entidade. De acordo com a sindicalista, “a CSB sempre dá espaço para as mulheres e, o principal, confiança e liberdade para trabalhar” – afirmação corroborada por Lygia e por Maria Abadia, presidente do Sindicato dos Servidores do IPSEMG (SISIPSEMG).
“A nossa CSB vem apoiando e capacitando os líderes sindicais, independentemente do sexo. Venho observando um ambiente equilibrado, sem distinção. Todos podem se pronunciar, defendendo suas ideias e apresentando sugestões. Cabe a nós nesta oportunidade parabenizar o presidente Antonio Neto pelo apoio ao movimento de empoderamento da mulher”, destaca a dirigente, complementada por Abadia:
“Eu tenho sempre elogiado a postura da CSB e, principalmente, a postura do presidente Antonio Neto, porque, desde que eu ingressei na Central, as mulheres sempre foram prestigiadas em todas as ações e eventos da Entidade. Em resumo, a CSB é um exemplo de como o meio sindical e a sociedade podem trilhar um caminho de valorização da mulher. E acho que é isso que fica: a lição de que a união e a igualdade realmente têm o poder de transformar as estruturas sociais e de desenvolver um País”.