Artigo - Reduzir a jornada: um caminho para mais igualdade e qualidade de vida

O debate sobre a jornada de trabalho é fundamental para a organização da vida social, pois a distribuição do tempo é um dos problemas centrais de todas as sociedades. Os tempos são constantemente transformados por mudanças econômicas, sociais e culturais, mas essas transformações não ocorrem apenas na esfera produtiva, com o controle da extensão, distribuição e intensidade da jornada de trabalho remunerado. Elas também afetam o trabalho reprodutivo, determinando como mulheres e homens distribuem seu tempo entre essas duas dimensões, que estão intimamente articuladas.

Apesar da grande capacidade do capitalismo de transformar as condições de trabalho, ele não eliminou a necessidade do tempo dedicado à reprodução social de mulheres e homens. A disputa pelo uso do tempo tem sido um dos principais embates da classe trabalhadora ao longo do último século.

Mesmo com os avanços tecnológicos, uma parte expressiva da classe trabalhadora mundial ainda cumpre jornadas superiores a 48 horas semanais, enquanto outra enfrenta condições de subemprego, com jornadas insuficientes que não garantem sequer a sobrevivência. No Brasil, 74,1% das pessoas empregadas sob o regime celetista (com acesso a direitos trabalhistas) trabalham 40 horas ou mais por semana. Entre todas as pessoas ocupadas (com ou sem direitos), o percentual é semelhante: 76,4%.

Embora as mulheres representem um percentual menor entre as pessoas ocupadas em jornadas acima de 40 horas semanais (71,7% entre mulheres brancas e 65,7% entre mulheres negras), elas são penalizadas pelo elevado número de horas dedicadas ao trabalho doméstico e de cuidados não remunerados, que somam cerca de 21 horas semanais. A redução da jornada de trabalho poderia beneficiá-las de várias formas. Por serem maioria entre as desempregadas, a medida pode contribuir para a criação de mais postos de trabalho. Jornadas mais curtas também podem estimular uma maior participação dos homens nas tarefas domésticas, aliviando a carga das mulheres. Além disso, setores onde as mulheres predominam – como indústria, comércio e serviços – frequentemente não permitem acordos de compensação de horas, obrigando-as a trabalhar seis dias por semana com apenas um dia de folga, muitas vezes alternado.

A redução da jornada de trabalho é uma resposta necessária diante de uma sociedade que tende a absorver cada vez menos trabalho vivo. As tecnologias, historicamente, eliminaram postos de trabalho, e os novos investimentos não geram empregos na intensidade necessária. Atualmente, as novas fronteiras tecnológicas dissolvem padrões de trabalho tradicionalmente associados a diversas ocupações. Reduzir o tempo de trabalho necessário é a única maneira de enfrentar os problemas estruturais do trabalho no capitalismo.

Ao discutir a redução da jornada de trabalho, é crucial considerar dois aspectos centrais:

1. Tendências de flexibilização do trabalho: Desde os anos 1970, essas tendências, intensificadas nas décadas de 1980 e 1990, são uma resposta à inserção de economias periféricas em uma lógica internacional baseada na competitividade espúria. Essa dinâmica busca reduzir custos trabalhistas, flexibilizar contratos e retirar direitos, contribuindo para um cenário em que mais de 50% das ocupações no Brasil são informais.
2. Enfrentamento da falta estrutural de trabalho: Com inovações tecnológicas poupadoras de mão de obra, o crescimento econômico, embora necessário, não é suficiente para gerar empregos decentes para toda a força de trabalho disponível. É essencial garantir ocupações socialmente relevantes para o coletivo, além do circuito de acumulação capitalista.

A redução da jornada de trabalho deve ser recolocada como tema central para a geração e distribuição de empregos. Os avanços tecnológicos já permitem, em termos técnicos, essa redução. Contudo, como ocorre historicamente no capitalismo, a questão é política e ideológica.

A defesa da redução da jornada pode estar associada ao debate mais amplo sobre a distribuição do tempo entre trabalho e não trabalho, além da divisão das responsabilidades familiares entre todos os seus membros. Trata-se, portanto, de um debate político que deve ser abordado como estratégia para enfrentar os graves problemas de emprego, pobreza, desigualdade e precariedade que afetam a maioria da classe trabalhadora.
Reduzir a jornada de trabalho significa ampliar o tempo livre para que as pessoas possam viver com dignidade e qualidade de vida.


Marilane Oliveira Teixeira
Economista, doutora em desenvolvimento econômico e social, professora e pesquisadora do CESIT-IE da UNICAMP E professora colaboradora do programa de pós-graduação em Ciências Sociais do IFCH, membra da Rede Brasileira de Economia Feminista – REBEF e assessora sindical

 

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