Artigo - Por que as negociações coletivas não estão sendo utilizadas como instrumento para fortalecer a Lei de Igualdade Salarial?

As negociações coletivas desempenham um papel crucial nas relações de trabalho, sendo responsáveis por definir condições de trabalho, salários e benefícios. Elas são ferramentas eficazes para reduzir desigualdades laborais e salariais. Contudo, mesmo após a aprovação da Lei de Igualdade Salarial e sua regulamentação em 2023, o tema segue negligenciado ou subvalorizado nas mesas de negociação.

De acordo com a Nota Técnica nº 282 do DIEESE, publicada em setembro de 2024, entre os milhares de instrumentos coletivos negociados ao longo do ano, apenas 63 cláusulas faziam referência à Lei nº 14.611/2023, envolvendo apenas 13 entidades sindicais. O que chama atenção é a completa ausência de grandes sindicatos, especialmente aqueles representando setores industriais e de serviços, tradicionalmente mais organizados. Por que, então, um debate tão estratégico para o movimento sindical continua fora das prioridades?

A igualdade salarial, que assegura o direito à mesma remuneração por trabalho igual ou de valor equivalente, é uma questão central nos debates sobre justiça social e direitos laborais. Desde a adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, que reconhece o direito a uma remuneração justa e igualitária, muitos avanços foram alcançados em diversas partes do mundo. No entanto, a aplicação efetiva desse princípio ainda encontra barreiras significativas.

O Brasil, signatário de convenções internacionais que tratam do tema, já contempla o princípio da igualdade salarial na Constituição Federal e na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). A Lei nº 14.611/2023 trouxe inovações importantes, como a exigência de transparência nos critérios remuneratórios adotados pelas empresas e a participação dos sindicatos na elaboração de relatórios para mitigar desigualdades identificadas.

O argumento de que a lei já aborda o tema não se sustenta, uma vez que instrumentos coletivos frequentemente incluem cláusulas que apenas reproduzem o que já está previsto na legislação. Nesse caso, a Lei de Igualdade Salarial oferece uma oportunidade valiosa para incluir cláusulas que não apenas fortaleçam sua aplicação, mas também consolidem o papel dos sindicatos. Parece, no entanto, faltar vontade política ou prioridade em relação ao tema, muitas vezes tratado como secundário ou “uma pauta de mulheres”. A escassa presença feminina nas mesas de negociação é outro obstáculo a ser superado.

Nas negociações coletivas, o foco geralmente recai sobre demandas imediatas e tangíveis, como reajustes salariais, Participação nos Lucros e Resultados (PLR) e benefícios, como vales alimentação e refeição. A igualdade salarial, sendo uma questão de longo prazo e aparentemente mais abstrata, acaba relegada a um segundo plano, mesmo tendo implicações profundas para a justiça social.

Além disso, a implementação da igualdade salarial exige um processo criterioso de avaliação e comparação das funções, de modo a determinar o valor relativo de diferentes cargos. Essa análise, embora complexa, é essencial para identificar e corrigir disparidades injustificadas.

A desigualdade salarial afeta desproporcionalmente as mulheres, perpetuando desigualdades de gênero no ambiente de trabalho. A ausência de um enfoque na igualdade salarial durante as negociações coletivas contribui para a manutenção dessas disparidades, dificultando o avanço rumo à equidade.

A inclusão do tema da igualdade salarial nas mesas de negociação não é apenas urgente, mas estratégica. Promover esse debate pode trazer benefícios sociais e econômicos significativos, além de fortalecer a confiança das trabalhadoras na eficácia da lei e no papel dos sindicatos como agentes de transformação social.


Marilane Oliveira Teixeira
Economista, doutora em desenvolvimento econômico e social, professora e pesquisadora do CESIT-IE da UNICAMP E professora colaboradora do programa de pós-graduação em Ciências Sociais do IFCH, membra da Rede Brasileira de Economia Feminista – REBEF e assessora sindical

 

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