Artigo - A escassez de mão de obra como resultante da precarização do trabalho

A matéria “Não falta mão de obra, o que falta é atratividade para o empregado do varejo”, publicada em 24/4/2025, pelo jornal Diário do Comercio, revela uma situação que cresce e ganha corpo na sociedade que é a falta de trabalhadores no preenchimento de milhares e milhares de vagas em diversos setores produtivos e de serviços e sobre as medidas adotadas individualmente por empresas visando solucionar esse grave problema. Como se diz no popular para esses empresários “a água começou a lhes bater nas nádegas”. De repente passaram a enxergar o óbvio.

Ação e reação, princípio fundamental da física, servem a meu ver para explicar essa mudança de posição, por enquanto de parte do empresariado em relação às dificuldades de contratação de trabalhadores…. Ou melhor, no tocante à escassez de mão de obra resultante da precarização do trabalho.

Precarização que se arrasta por pelo menos duas décadas. Desde o governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), com a adoção do modelo econômico neoliberal que deu início efetivo ao desmonte do Estado, com destaque para a demonização da CLT, acusada de arcaica, ultrapassada, de ser responsável por engessar as relações de trabalho e a geração de empregos no Brasil e o consequente afrouxamento dos direitos.

O ideal, diziam os empresários e seus prepostos, inclusive gente do movimento sindical, seria modernizar essas leis, torná-las flexíveis, senão aboli-las. Dar liberdade aos patrões em suas contratações que na sua versão mentirosa as encareciam em até 102% do valor dos salários.

Deu no que deu com Michel Temer (2016-2018), em seguida com Bolsonaro (2019-2022), e seu projeto regressivo de desmonte do Estado e dos direitos sociais, o tal “Ponte para o Futuro”, que na verdade era a ponte para o passado escravista que a fortes golpes encetados via Congresso Nacional e sem a devida reação contrária, abriu terríveis brechas na legislação para se voltar a um tempo de trabalho anterior a 1930, sem quaisquer resquícios de cidadania social, nem dignidade, para a classe que vive do trabalho.

No lugar do emprego formal com direitos a precarização violenta ainda que muitos desses empregos com carteira assinada sejam também precários, pois além de estafantes, do ponto de vista das longas jornadas diárias e semanais há o agravamento via ritmos intensos e exaustivos de trabalho que estão levando aos adoecimentos, ao surgimento de novas doenças físicas e/ou psicoemocionais.

Segundo o INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social), citado em nota técnica do Cesit (Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho)/Unicamp, “Só em 2022… mais de 209 mil pessoas foram afastadas do trabalho por transtornos mentais em nosso país”. A referida nota menciona o INSS, pois nesses casos, imagino, tratam-se de trabalhadores com registro em carteira. O que mostra ser a precariedade um fator que se faz presente nos empregos formais e informais.

Afirmam os autores da citada nota que, “Reproduz-se uma sociedade adoentada, com jornadas exaustivas, assédios de diferentes naturezas, pressões por resultados crescentes, insegurança financeira e a convivência com o medo permanente de perder o emprego”. Assim ninguém aguenta! E aí o abandono, a recusa ao emprego precário de baixo valor remunerativo e sem perspectiva de futuro.

O empresariado chia, estrebucha. Ou se muda essa relação ou não demora e teremos no Brasil um amplo apagão de mão de obra que poderá atingir não apenas os setores de supermercados, restaurantes e farmácias, mas as demais empresas, ramos inteiros de outras atividades.

Rever a legislação trabalhista é primordial. A começar pelo fim da escravista escala de trabalho 6X1, bem como a redução da jornada de 44 horas para 36 horas semanais (sistema 4X3). Tendo em vista equilibrar essas relações para ambas as partes – empregados e patrões – medidas devem ser adotadas via legislação e não como querem alguns, incluindo o próprio governo, por meio de negociações coletivas.

Por esse meio, e com os sindicatos enfraquecidos em grande medida devido a contrarreforma trabalhista/2017, que lhes tirou a sua única forma de financiamento, o imposto sindical, e nada colocou em seu lugar, a jornada semanal de trabalho, assim como a escala 6X1, jamais será modificada.

Este é o discurso que agrada ao capital em prejuízo do trabalho. Discurso de quem sabe que por esse caminho mudanças nesse campo não irão ocorrer. Enfim, pensar dessa maneira, como solução a esses problemas é ser no mínimo ingênuo, não ter a real compreensão desse processo, ou então agir de má-fé.


José Raimundo de Oliveira
Historiador, educador e ativista social

 

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