Artigo - Pejotização, terceirização e as mudanças das relações de trabalho no decorrer do tempo

Com 82 anos de existência, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) foi instituída pelo Decreto-Lei nº 5.452, assinado por Getúlio Vargas em 1º de maio de 1943. Foi considerada como um dos primeiros instrumentos de inclusão social do Brasil: estabelecia direitos e deveres para trabalhadores, garantindo, entre outras coisas, a jornada diária máxima de oito horas de trabalho, o descanso semanal remunerado e férias.

Porém, a sociedade não é estática e as relações de trabalho acabam acompanhando os seus movimentos. Já não somos o país de mais de 80 anos atrás e muitos pontos das relações trabalhistas vêm sendo questionados no decorrer do tempo. Inclusive, novas formas de relação entre empresa e trabalhador foram se solidificando como alternativas viáveis para empregadores e trabalhadores.

Recentemente, tivemos a decisão do ministro Gilmar Mendes de suspender as ações judiciais relacionadas à pejotização. Essas ações consistem em reivindicações de trabalhadores, contratados como pessoas jurídicas, que entendiam que esta contratação teria sido uma estratégia para burlar o vínculo empregatício, cerceando direitos comuns ao vínculo de emprego. Com essa decisão, a temática voltou à tona: até onde vai a legalidade da pejotização de trabalhadores pelas empresas? E qual a diferença entre pejotização e terceirização?

Vamos, primeiro, definir o que é pejotização: trata-se de um vínculo direto entre empresa e trabalhador, que precisa ter CNPJ próprio, muitas vezes como Microempreendedor Individual (MEI), para emissão de notas fiscais e remuneração ao final de cada período de serviço contratado.

Quanto à terceirização, temos uma empresa intermediária entre o contratante e o trabalhador. Antes da Reforma Trabalhista que tivemos em 2017, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) entendia que somente a terceirização de atividades-meio (aquelas não ligadas ao objetivo principal de uma empresa, como serviços de manutenção e limpeza, por exemplo) seria permitida; a de atividade-fim, não. Porém, isso foi alterado a partir de 2017, quando se  legalizou a terceirização de toda e qualquer atividade.

Ou seja: vemos tipos de relação de trabalho diferentes, mas que acabam convergindo para uma preocupação em comum: é legal e lícita a contratação de trabalhadores que não seja por meio da CLT? Essas novas formas não estariam contribuindo para a precarização das relações trabalhistas? Elas não seriam uma maneira de burlar o pagamento de impostos e tributos? Quem ganha e quem perde nesse contexto?

Alguns dados podem nos direcionar para uma reflexão: segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, a PNAD Contínua, a quantidade de MEIs em relação às pessoas com carteira assinada aumentou: em 2012, havia um MEI a cada 13,5 trabalhadores com carteira assinada. Em 2023, havia um para cada 2,4.

Por outro lado, segundo o Tribunal Superior do Trabalho (TST), até fevereiro de 2025, foram ajuizados 53.678 novos casos envolvendo reconhecimento de relação de emprego, o que coloca o tema em 15º lugar no ranking dos que mais levam as pessoas à Justiça do Trabalho.

Está mais do que claro que estamos em um novo momento, com novas formas de trabalho além do vínculo empregatício voltado à era industrial. E, para essas novas formas, nem sempre uma estrutura legal aprovada na década de 40 será completamente aplicável. A legislação brasileira ainda não traz respostas adequadas a questões que hoje são comuns ao nosso meio - tome por exemplo o caso dos trabalhadores de aplicativos, que ainda não têm solução legislativa e acabam incumbindo o Poder Judiciário, quando provocado, de aplicar algum ao tema.

Sejam terceirizados, pejotizados, plataformizados ou alocados em qualquer nova forma de trabalho: esses trabalhadores cabem no molde de “empregados”, com muitos direitos? Devem ser mantidos como prestadores de serviço, privilegiando a negociação com o mercado e reduzindo garantias fundamentais? Nosso sistema previdenciário sobreviverá a esse novo modelo, ou terá de mudar junto?

O tema é candente, e não é exclusivo do nosso país: ora, o Papa Leão XIV, que acaba de ser eleito, declarou abertamente a preocupação da Igreja Católica em defender a dignidade humana, da justiça e do trabalho frente a uma nova revolução industrial e aos desenvolvimentos da inteligência artificial. Se até mesmo a Igreja está de olho neste movimento, é essencial que nossos legisladores e julgadores também estejam.

A sociedade muda constantemente. Uma lei pode atender a este momento histórico, mas se ela não for alvo de constantes atualizações e correções, daqui a alguns anos ela mais causará do que solucionará contendas.

 


Arthur Felipe Martins
é advogado trabalhista, especialista em direito e processo do trabalho e direito acidentário. Mestrando em direito do trabalho pela PUC-SP. Professor em cursos jurídicos voltados ao direito do trabalho e correlações com o direito previdenciário

 

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