Artigo - PL 1663: Contradições da Emenda sobre a Contribuição Sindical

Está pautado para votação no Plenário da Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 1663/2023, de autoria do deputado Fausto Santos Jr. (União-AM), que tem como objetivo atualizar dispositivos ultrapassados da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), adequando-os à Constituição Federal e à nova legislação trabalhista vigente desde a reforma de 2017.

O texto recebeu dois pareceres do relator, deputado Ossesio Silva (Republicanos-PE): um favorável, na forma de substitutivo, em relação ao texto original, e outro pela rejeição das quatro emendas apresentadas. Tais emendas, contudo, ainda podem ser incorporadas, caso sejam votados destaques para votação em separado.

Dentre essas emendas, destaca-se a Emenda de Plenário nº 1, de autoria do deputado Rodrigo Valadares (União-SE), que vem gerando controvérsias por propor a criação de mecanismos digitais para o cancelamento da contribuição sindical. A proposta estabelece que o pedido de cancelamento possa ser feito por meio de portais ou aplicativos do Governo Federal, como o “gov.br”, por plataformas digitais mantidas pelos sindicatos, aplicativos de empresas privadas autorizadas, ou até mesmo via e-mail. Para garantir a autenticidade, seriam exigidos mecanismos de validação como certificação digital (ICP-Brasil), autenticação via “gov.br”, outras formas eletrônicas legalmente reconhecidas ou assinatura física acompanhada de documento oficial.

Embora apresentada como medida de modernização, a proposta traz sérias contradições. Primeiramente, insere um novo regramento em um projeto que visa apenas revogar trechos obsoletos da CLT, ampliando indevidamente o escopo da proposição. Em segundo lugar, trata de uma matéria já resolvida pela Reforma Trabalhista: desde 2017, a contribuição sindical deixou de ser obrigatória, e qualquer desconto só pode ocorrer mediante autorização prévia e expressa do trabalhador. Assim, a criação de um sistema de cancelamento soa redundante, ao pressupor uma cobrança indevida generalizada que não corresponde à atual realidade normativa.

Além disso, a emenda invade a competência temática de outras propostas em tramitação na Câmara dos Deputados, especialmente na Comissão de Trabalho (CTRAB), sob relatoria do deputado Luiz Carlos Motta (PL-SP), atropelando debates técnicos e audiências com entidades representativas. Seu conteúdo sugere ainda um esforço para afastar o trabalhador dos sindicatos, ao permitir o cancelamento sem qualquer tipo de interação institucional ou espaço para mediação. Isso abre margem para pressões patronais contrárias à organização coletiva, criando um cenário propício a práticas antissindicais.

O exercício desse direito não pode ser banalizado nem incentivado por meio de tecnologias que dificultam a reflexão. A economia comportamental demonstra os efeitos dessas ferramentas na manifestação de vontade dos indivíduos, podendo gerar distorções que comprometem a liberdade de decisão. Por fim, a medida fragilizaria ainda mais os sindicatos, já enfraquecidos financeiramente, comprometendo sua atuação em negociações salariais, ações judiciais em defesa de direitos trabalhistas e articulação de greves legítimas.

Assim, a insistência na votação dessa emenda no Plenário da Câmara é incompatível com os princípios que regem as relações de trabalho no Brasil. Trata-se de uma manobra legislativa que, sob o disfarce da modernização tecnológica, busca enfraquecer as bases da representação coletiva. Sua rejeição não apenas está em consonância com os objetivos do PL 1663/2023, como é essencial para proteger o direito dos trabalhadores à organização e à defesa de seus interesses.


Neuriberg Dias
Jornalista, analista político e diretor de Documentação do DIAP

 

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