A tragédia da Operação Contenção no Complexo do Alemão, perpetrada pelo governador do Rio de Janeiro Cláudio Castro, escancarou mais do que a violência do Estado. Revelou uma fratura profunda e perigosa no debate sobre segurança pública, na qual uma parcela significativa da esquerda parece ter se perdido.
Ao se limitar a condenar a barbárie da ação policial – por mais legítima que seja a repulsa ao número de mortos e ao racismo subjacente –, lideranças relevantes desse campo falham em reconhecer a humilhação e subjugação permanente imposta pelo crime organizado a centenas de famílias trabalhadoras e moradoras nas favelas e fora delas e, com isso, revelam uma fragilidade de visão estratégica que a distancia da realidade concreta dessas comunidades.
Há uma sensação palpável de que a esquerda não tem uma resposta à altura do problema. Enquanto a direita oferece uma solução imediata, ainda que brutal e ineficaz no longo prazo (a força policial), a esquerda frequentemente recai em um discurso que soa distante e teórico para quem vive a dominação diária.
Falar que a solução se limita a “educação e políticas sociais” soa, na prática, como uma insensibilidade diante do medo presente. Essas políticas são fundamentais e estruturais, mas exigem mudanças mais robustas e significativas na política econômica que mesmo se fossem adotadas, e nada indica que sejam de fato adotadas, são de médio e longo prazo. E, como perguntou um cidadão, “enquanto o futuro não chega, a gente continua morrendo no presente?”. A proposta da direita, centrada na força ostentada pelo espetáculo midiático, é visceralmente palpável. A da esquerda, quando se restringe ao social, parece etérea.
Esta lacuna é um risco político e eleitoral monumental. O debate da segurança será central em 2026, e a esquerda não pode se ausentar dele ou ser caricaturada como “defensora de bandidos”. Para evitar isso, precisa urgentemente encampar e protagonizar soluções tão palpáveis e nacionais quanto o problema que enfrenta. Felizmente, o caminho está sendo traçado, mas precisa ser abraçado com mais vigor pela base de apoio ao governo.
A saída não é negar a necessidade de enfrentamento ao crime organizado, mas federalizá-lo, enfatizar o emprego da inteligência em proveito da eficiência. É preciso combater o crime nacionalmente, pois as facções criminosas são um fenômeno que ignora fronteiras estaduais.
Nesse sentido, a esquerda deve colocar no centro de sua atuação o Projeto de Lei Antifacções Criminosas anunciado dia 31 de outubro pelo governo federal.
Ao sancionar este projeto, o presidente Lula deixou clara a prioridade:
“Nós vamos mostrar como é que se enfrentam essas facções, que vivem de explorar o povo mais humilde desse país”. Esta é a linguagem e a ação que ressoam com a urgência popular.
A Operação de Castro foi ineficiente não porque confrontou o crime, mas porque não chegou nem perto de derrotá-lo. Não houve retomada duradoura do território. Provavelmente no dia seguinte a população do Complexo do Alemão continuou sendo extorquida pelas facções. A esquerda não pode cometer o mesmo erro no plano das ideias. Ou ela assume de vez o debate e demonstra, com propostas concretas e poder de Estado, que está comprometida com a libertação dos territórios dominados pelo tráfico, ou continuará à margem de uma discussão que define o presente e o futuro do país.
A batalha não deveria ser apenas contra a violência policial. Deveria ser justamente em defesa dos policiais e das famílias humilhadas diariamente, que não deveriam ser colocadas em risco em operações midiáticas, perigosas e ineficazes. Mas principalmente, a luta deve ser pela soberania do Estado sobre territórios há muito abandonados ou terceirizados para o crime. É essa a batalha que a esquerda precisa disputar e vencer.