Nacionalizar a luta e unificar a pauta de reivindicações para ampliar a mobilização e conquistar direitos. Essa foi uma das estratégias definidas no 1º Encontro Nacional Híbrido dos Trabalhadores em Aplicativos, realizado na tarde desta terça-feira (17), na sede da CUT-RS, em Porto Alegre.
Os trabalhadores de apps também trocaram experiências, destacaram a importância da organização em todo o terrritório nacional e, neste sentido, aproveitaram o evento para criar uma comissão de representantes da categoria que terá a tarefa de aprofundar o diálogo e a organização nacional.
O 1º Encontro Nacional Híbrido dos Trabalhadores em Aplicativos, promovido pelo Sindicato dos Motoristas em Aplicativos do Rio Grande do Sul (Simtrapli-RS), contou com a participação de trabalhadores de todo o país, por meio da plataforma Zoom.
Segurança contra assaltos e reajuste para motoristas
A presidenta do Simtrapli-RS, Carina Trindade, apontou que “a segurança e o reajuste são as maiores demandas dos motoristas de aplicativos. Buscamos proteção para os motoristas de aplicativos. Queremos que a plataforma pague INSS. Trabalhamos com medo de ficarmos doentes, de sermos cancelados do aplicativo. A plataforma recebe até 60% do valor da corrida e, por isso, pode pagar mais para quem trabalha”.
Carina defendeu também uma regulamentação do trabalho. “Queremos uma legislação que garanta nossa proteção, enquanto trabalhadores e trabalhadoras. Somos uma categoria grande. Em Porto Alegre, segundo informações da Uber, existem cerca de 47 mil motoristas. Em todo oRS, estimamos em torno de 100 mil”, frisou.
Desregulamentação leva ao trabalho semiescravo
O encontro foi muito importante porque “conhecemos um pouco melhor do ponto de vista do conteúdo que estamos disputando e da tarefa tremenda, que é organizar essa nova categoria”, avaliou o secretário de Organização e Política Sindical da CUT-RS, Claudir Nespolo.
O dirigente sindical também falou sobre as características desses trabalhadores. “É uma categoria em que os donos das plataformas são poderosíssimos e agem de uma maneira perversa, para que cada trabalhador se sinta um pouco dono da empresa, enquanto a desregulamentação leva ao trabalho semiescravo”, observou.
A secretária nacional de Organização e Política Sindical da CUT, Graça Costa, ressaltou que "a exploração é a mesma e os desafios são os mesmos" em todo o Brasil e que "é necessário uma mobilização nacional, para que a gente possa sanar os problemas de forma global para regulamentar o trabalho da categoria".
Para ela, "nada deve ser menor na garantia dos direitos do que aquilo que diz a Organização Internacional do Trabalho (OIT)". Trata-se de um acordo mundial, firmado num ambiente tripartite, entre trabalhadores, empregadores e governos, "que determinou o mínimo para ter trabalho decente". Graça denunciou a retirada de direitos e a precarização do trabalho no Brasil após o golpe que derrubou a presidenta Dilma Rousseff.
Para a presidente do Sindicato dos Condutores Autônomos Cadastrados em Aplicativos (Sincaap-BA), Viviã Rocha, “a nossa profissão está sendo marginalizada. Estamos à margem de tudo de ruim. As plataformas não fazem um bom cadastro. Existem contas fakes ou com fotos de outras pessoas. Pautamos uma taxa fixa para os motoristas. Queremos um seguro de vida e uma política mais adequada para os bloqueios, com aviso prévio”.
Não somos empresários. Somos trabalhadores
O presidente da Associação Liga dos Motoristas de Aplicativos do Rio Grande do Su (Alma-RS), Joe Moraes, destacou que as empresas querem que os motoristas se vejam como empreendedores. “Eles querem que sejamos um médio ou microempreendedor digital. Nós queremos uma seguridade social para que não saia do bolso do motorista. Queremos ser reconhecidos. Estamos buscando o melhor para os motoristas, mas para isso precisamos de união entre todas as entidades”, expôs.
O presidente da Federação Nacional dos Sindicatos de Motoristas de Aplicativos (Fenasmapp), Leandro Cruz, defendeu os motoristas como trabalhadores. “Não posso dizer para um trabalhador que tem um carro alugado, trabalha mais de 16 horas por dia e não consegue garantir o pão diariamente, que ele é empresário. As empresas ganham bilhões de reais, sonegam muito e contribuem pouco. Elas não investem em mão de obra, não investem nos trabalhadores”, denunciou.
Leandro falou também sobre o processo eleitoral que se avizinha. “Temos que ter lado. O nosso voto tem consequências que para nós são as piores possíveis, como a gasolina a R$ 9,00 o litro”, desabafou.
Subordinação algorítmica e falta de autonomia
Para o procurador do Trabalho, Renan Kalil, é preciso entender o que está em disputa quando falamos do Direito do Trabalho. “As empresas constroem uma narrativa que coloca elas como empresas de tecnologia. Vão se referir aos motoristas como parceiros, empreendedores para esvaziar a questão laboral. Não corresponde chamar empresas de tecnologia, porque elas não oferecem uma solução tecnológica. Elas oferecem uma solução de transporte ou de entrega de produto”, explicou.
O procurador disse que as empresas "têm um amplo controle sobre os trabalhadores, que é feito através dos algoritmos e da coleta de dados”.
Para o assessor jurídico do Simtrapli-RS, Antônio Castro, as plataformas exercem uma subordinação algorítmica. “Se formos regulamentar esse tipo de trabalho, temos que assegurar a maior autonomia dos trabalhadores de aplicativo, o que não existe hoje, por mais que digam que existe”, enfatizou.
“Nós estudamos os algoritmos e identificamos que, se o motorista não fica logado mais de oito horas em um dia, no dia seguinte a plataforma não distribui para ele as melhores corridas. Então, existe uma subordinação algorítmica e, por isso, existe uma relação de trabalho”, avaliou.
Castro ainda afirmou que “é absolutamente essencial o direito de organização sindical e o direito de negociação com as empresas. Nós queremos direitos e queremos garantias. Não são empresários. São trabalhadores”.
Projeto de regulamentação do trabalho
O deputado federal Henrique Fontana (PT) falou sobre o Projeto de Lei nº 4172/2020, que dispõe sobre a criação de um novo contrato de trabalho em plataformas digitais de transporte individual privado ou de entrega de mercadorias, garantindo autonomia e direitos básicos aos trabalhadores.
“Queremos encontrar caminhos justos e dignos para esses trabalhadores. Precisamos unir todos os esforços e fazer um grande movimento de pressão na sociedade brasileira, que melhore as condições desses trabalhadores que atuam cada vez mais no mundo dos aplicativos. É um ambiente desigual, onde são poucas plataformas que submetem milhares de trabalhadores. Devemos estabelecer um vínculo de responsabilidade para as empresas”, defendeu o deputado.
Ele apontou que têm pouca esperança de que o Congresso Nacional vote esse projeto antes do processo eleitoral deste ano. “Por isso, é muito importante a nossa mobilização, para que esse tema seja o centro do processo do debate democrático que vai acontecer durante as eleições”.
Importância das eleições
Ao final, Claudir ressaltou a oportunidade das eleições, que possibilitam a escolha de representantes nos governos e nos parlamentos para melhorar as condições de vida aos trabalhadores. “Temos que enfrentar esse debate para eleger um presidente comprometido com os trabalhadores e uma bancada de senadores e deputados igualmente comprometidos”, apontou.