O Supremo Tribunal Federal (STF) promoveu, segunda e terça-feira (9 e 10.12), audiência pública sobre a possibilidade do reconhecimento de vínculo empregatício entre motoristas de aplicativo de transporte e empresas que administram as plataformas digitais.
O assunto é debatido em razão do Recurso Extraordinário (RE 1446336) apresentado pela empresa Uber, e que teve reconhecida a repercussão geral do caso. Ou seja, a decisão do STF neste processo vai repercutir em todas as outras decisões de casos semelhantes em tramitação no Judiciário. O relator do processo, ministro Edson Fachin, conduziu a audiência pública e ouviu dezenas de expositores, das mais diversas áreas.
O Ministério Público do Trabalho (MPT) foi representado pelo procurador do Trabalho Renan Kalil, coordenador nacional de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho, área do MPT responsável pela análise do tema. Kalil também atuou diretamente em casos de relevância nacional, como a ação civil pública que reconheceu, em primeira instância, o vínculo de emprego entre motoristas da Uber e a plataforma, e a mais recente decisão da Justiça do Trabalho, que condenou o iFood ao pagamento de R$ 10 milhões, além do reconhecimento do vínculo de emprego entre os entregadores e a plataforma.
Empresa de transporte ou de tecnologia?
Renan Kalil iniciou sua fala apresentando a inconsistência entre a real atividade da Uber e a forma como ela se apresenta, especialmente nos processos judiciais.
Enquanto nos processos ela se posiciona como empresa de tecnologia, para afastar a relação de trabalho e se auto classificar como mera intermediadora, na hora do registro de sua marca no Instituto Nacional de Propriedade Industrial, a empresa se registrou como “de transporte”.
“Contudo, isso está muito distante da realidade. Ninguém abre o telefone celular e acessa o aplicativo da Uber para comprar tecnologia ou procurar um motorista específico. Os clientes buscam é a prestação dos serviços de transporte”, afirma Kalil.
Ação Civil Pública
Kalil também sugeriu ao ministro Edson Fachin que ele requisite o relatório feito pelo MPT, em ação civil pública movida contra a Uber, fundamental para concluir de forma inequívoca, a partir de documentos apresentados pela própria empresa, a relação de trabalho existente.
Segundo o procurador, “o MPT demonstrou como a Uber gerencia a atividade dos trabalhadores. Os algoritmos ocupam um papel central, mas quem define o teor do algoritmo é um ser humano para atender determinados interesses”.
O relatório apresenta como a empresa controla, de forma pormenorizada, a atividade desenvolvida por cada motorista, com informações completas, como dados pessoais, valores recebidos, número de corridas realizadas, período de trabalho, tempo de atividade, espera e inatividade. Também demonstra que as avaliações dentro da plataforma servem como parâmetros para empresa punir ou bonificar os motoristas, aplicando sanções, promoções, aumentando o número de corridas e até a remuneração média.
“Trata-se, portanto, de um sofisticado sistema de gestão de mão de obra, que apenas atualiza por meio dos algoritmos, a tendência típica do vínculo de emprego”, finaliza Kalil
Ele defendeu a existência da relação de trabalho entre os motoristas e a empresa e que impedir o reconhecimento do vínculo trabalhista significa retirar desses trabalhadores direitos básicos necessários para o exercício de sua cidadania.
Mera intermediação x subordinação
Na segunda parte da audiência, o procurador do Trabalho Tadeu Henrique Lopes da Cunha falou representando a Associação Nacional dos Procuradores e das Procuradoras do Trabalho (ANPT). Ele destacou que estudo da Universidade Federal do Paraná mapeou mais de 1.500 empresas que se valem de plataformas digitais nos mais diversos segmentos e disse que existem dois tipos muito distintos que devem ser analisados separadamente.
O primeiro, são os chamados marketplace, em que há verdadeira intermediação. Nesta modalidade, a empresa utiliza uma plataforma digital e oferece a possibilidade de pessoas venderem seus serviços para clientes que utilizam o espaço digital. O procurador do MPT explica que diferente do modelo de negócio da Uber, o usuário utiliza a plataforma para encontrar um profissional específico e negocia diretamente com ele o valor pelo serviço, o horário da prestação, sem ingerência da plataforma.
“Essas empresas elas não se intrometem entre a relação do cliente e do trabalhador. Elas simplesmente propiciam essa ponte. Elas fazem como os antigos classificados faziam”, explica.
Para o procurador, esse modelo de negócio não pode ser confundido com a Uber e outras empresas de transporte de mercadoria ou de pessoas, pois estas definem todo o funcionamento do serviço, determinando quem irá prestar o serviço, o valor, o prazo, além de aplicar punições ou bônus, reforçando a subordinação entre os motoristas e entregadores e as empresas.
Cunha destaca que uma eventual decisão genérica, ampla e abstrata pode igualar essas situações e empresas que hoje atuam como meras intermediadoras, passem a utilizar esse outro modelo, sob a proteção de uma decisão judicial que considere a prestação autônoma dos serviços. Por fim, ele defendeu que a decisão determine uma presunção de relação de emprego entre os motoristas da Uber e a empresa.
A audiência pública ouviu especialistas, representantes do Governo Federal, dos motoristas e das empresas e está disponível no canal do STF no Youtube.
Assista aqui a audiência do dia 9 de dezembro (parte1).
Assista aqui a audiência do dia 9 de dezembro (parte 2).
Assista aqui a audiência do dia 10 de dezembro.