Notícia - Em audiência pública no STF, CSB aponta falsa autonomia de trabalhadores em aplicativos

O Supremo Tribunal Federal (STF) promoveu nesta semana uma audiência pública sobre a possibilidade do reconhecimento de vínculo empregatício entre motoristas de aplicativo de transporte e as plataformas digitais por meio das quais o serviço é prestado.

O assunto é debatido em razão do Recurso Extraordinário (RE 1446336) apresentado pela empresa Uber, e que teve reconhecida a repercussão geral do caso. Ou seja, a decisão do STF neste processo vai repercutir em todas as outras decisões de casos semelhantes em tramitação no Judiciário. O relator do processo, ministro Edson Fachin, conduziu a audiência.

Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB) participou da discussão representada por Nicolas Souza, da Aliança Nacional dos Entregadores por Aplicativos (Anea). Apesar de o recurso envolver uma empresa de transporte de passageiros e um motorista, representantes das empresas de entregas e de entregadores pela similaridade das ações que chegam ao Judiciário nos dois casos.

Nicolas, que trabalha como entregador pelo iFood, focou sua fala em demonstrar como os trabalhadores em aplicativos não são verdadeiramente autônomos, pois são submetidos a metas, monitoramento constante, regras com as quais são obrigados a concordar sem qualquer negociação, dentre outros fatores.

Assista a audiência na íntegra aqui.

Ele rebateu o argumento apresentado por representantes das empresas que pesquisas apontam que os próprios trabalhadores não desejam vínculo empregatício e preferem ser autônomos. Segundo Nicolas, de fato a autonomia é o desejo de qualquer um, porém ela não existe no modelo atual, conforme ele demonstrou explicando como funciona a plataforma internamente para os trabalhadores.

“A vontade que eu tenho de ser autônomo não me autoriza a dizer que eu sou. A gente precisa fazer o cadastro no aplicativo e ele já inicia com termos e condições que nunca foram negociados, a gente não tem a menor condição de alterar alguma cláusula daquilo que foi oferecido. Ou eu aceito, ou eu não trabalho, e como eu estou precisando trabalhar, eu aceito. E no momento que eu aceito, eu também tenho que fazer uma série de concessões e permissões que acessam o meu celular o tempo todo”, contou.

O representante da Anea e da CSB ressaltou ainda que entregadores e motoristas em aplicativos não têm também o requisito básico para um trabalhador que é de fato autônomo: arbitrar o preço do seu serviço.

“O primordial que estabelece uma relação autônoma é a possibilidade de eu dar meu preço, isso nem nunca foi prometido. Foi prometido pelos aplicativos que nós teríamos liberdade, flexibilidade, autonomia etc, isso nunca foi entregue, mas o preço nunca nem foi oferecido. Então resta claro que não existe a menor possibilidade de a gente ser autônomo, quanto mais parceiro comercial. Nunca nada foi discutido, a gente não está em posição de equilíbrio. O entregador pode perder uma perna trabalhando enquanto as empresas perdem um lanche”, disse.

 

MPT defendeu vínculo

O Ministério Público do Trabalho (MPT) foi representado pelo procurador do Trabalho Renan Kalil, coordenador nacional de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho, área do MPT responsável pela análise do tema. Kalil também atuou diretamente em casos de relevância nacional, como a ação civil pública que reconheceu, em primeira instância, o vínculo de emprego entre motoristas da Uber e a plataforma, e a mais recente decisão da Justiça do Trabalho, que condenou o iFood ao pagamento de R$ 10 milhões, além do reconhecimento do vínculo de emprego entre os entregadores e a plataforma.

 

Empresa de transporte ou de tecnologia?

Kalil iniciou sua fala apresentando a inconsistência entre a real atividade da Uber e a forma como ela se apresenta, especialmente nos processos judiciais.

Enquanto nos processos ela se posiciona como empresa de tecnologia, para afastar a relação de trabalho e se classificar como mera intermediadora, na hora do registro de sua marca no Instituto Nacional de Propriedade Industrial, a empresa se registrou como “de transporte”.

“Contudo, isso está muito distante da realidade. Ninguém abre o telefone celular e acessa o aplicativo da Uber para comprar tecnologia ou procurar um motorista específico. Os clientes buscam é a prestação dos serviços de transporte”, afirmou.

 

Ação Civil Pública

O promotor também sugeriu ao ministro Edson Fachin que ele requisite o relatório feito pelo MPT, em ação civil pública movida contra a Uber, fundamental para concluir de forma inequívoca, a partir de documentos apresentados pela própria empresa, a relação de trabalho existente.

Segundo o procurador, “o MPT demonstrou como a Uber gerencia a atividade dos trabalhadores. Os algoritmos ocupam um papel central, mas quem define o teor do algoritmo é um ser humano para atender determinados interesses”.

O relatório apresenta como a empresa controla, de forma pormenorizada, a atividade desenvolvida por cada motorista, com informações completas, como dados pessoais, valores recebidos, número de corridas realizadas, período de trabalho, tempo de atividade, espera e inatividade. Também demonstra que as avaliações dentro da plataforma servem como parâmetros para empresa punir ou bonificar os motoristas, aplicando sanções, promoções, aumentando o número de corridas e até a remuneração média.

“Trata-se, portanto, de um sofisticado sistema de gestão de mão de obra, que apenas atualiza por meio dos algoritmos a tendência típica do vínculo de emprego”, finalizou Kalil

Ele defendeu a existência da relação de trabalho entre os motoristas e a empresa e que impedir o reconhecimento do vínculo trabalhista significa retirar desses trabalhadores direitos básicos necessários para o exercício de sua cidadania.

 

Intermediação x subordinação

Na segunda parte da audiência, o procurador do Trabalho Tadeu Henrique Lopes da Cunha falou representando a Associação Nacional dos Procuradores e das Procuradoras do Trabalho (ANPT). Ele destacou que estudo da Universidade Federal do Paraná mapeou mais de 1.500 empresas que se valem de plataformas digitais nos mais diversos segmentos e disse que existem dois tipos muito distintos que devem ser analisados separadamente.

O primeiro, são os chamados marketplace, em que há verdadeira intermediação. Nesta modalidade, a empresa utiliza uma plataforma digital e oferece a possibilidade de pessoas venderem seus serviços para clientes que utilizam o espaço digital. O procurador do MPT explica que diferente do modelo de negócio da Uber, o usuário utiliza a plataforma para encontrar um profissional específico e negocia diretamente com ele o valor pelo serviço, o horário da prestação, sem ingerência da plataforma.

“Essas empresas não se intrometem entre a relação do cliente e do trabalhador. Elas simplesmente propiciam essa ponte. Elas fazem como os antigos classificados faziam”, explicou.

Para o procurador, esse modelo de negócio não pode ser confundido com a Uber e outras empresas de transporte de mercadoria ou de pessoas, pois estas definem todo o funcionamento do serviço, determinando quem irá prestar o serviço, o valor, o prazo, além de aplicar punições ou bônus, reforçando a subordinação entre os motoristas e entregadores e as empresas.

Cunha destaca que uma eventual decisão genérica, ampla e abstrata pode igualar essas situações e empresas que hoje atuam como meras intermediadoras, passem a utilizar esse outro modelo, sob a proteção de uma decisão judicial que considere a prestação autônoma dos serviços. Por fim, ele defendeu que a decisão determine uma presunção de relação de emprego entre os motoristas da Uber e a empresa.

A audiência pública ouviu especialistas, representantes do governo federal, dos motoristas e das empresas e está disponível no canal do STF no Youtube.


Fonte:  CSB Com informações de MPT / Foto: Rosinei Coutinho/STF - 13/12/2024


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