As estatais brasileiras obtiveram juntas, no ano passado, um resultado negativo no valor de R$ 6,7 bilhões, gerando críticas do mercado financeiro, que mais uma vez vê como função do governo federal o controle fiscal sem se preocupar com o desenvolvimento social e econômico que também depende dos investimentos feitos pelo Estado. Um dado importante é que tanto a Petrobras, o Banco do Brasil e outros bancos federais de economia mista (exceto a Caixa Econômica Federal), em que o governo tem a maioria das ações, mas não é o único proprietário, não entram nessa conta. Ou seja, o lucro dessas estatais não é levado em consideração neste tipo de contabilidade fiscal.
Outro ponto que o mercado financeiro e os especialistas econômicos, que costumam opinar via imprensa, é o de não incluir nessa conta que o papel de uma estatal nem sempre visa diretamente o lucro, mas atua de forma a incentivar a produção e a pesquisa, o que beneficia o desenvolvimento do país, gerando lucros e benefícios mais adiante. Esses são alguns dos motivos pelos quais o “prejuízo” de uma estatal não deve ser considerado um indicador de que a economia do país vai mal. Essa é a tese que defendem os economistas Marcelo Manzano, da Unicamp e Muriel Lopes, supervisora técnica do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), em Brasília.
“Seria interessante se houvesse sempre esse adendo, esse anexo, de que, na verdade, o setor público também comanda algumas empresas em que é sócio majoritário, onde tem o controle das empresas, que são privadas. Até porque, como o governo é investidor dessas empresas, ele recebe os dividendos, os royalties, e se beneficia dos resultados econômicos. Mas, enfim, o fato é que na maneira como se organiza a contabilidade pública, isso acaba não entrando. O problema não está na contabilidade. A imprensa acaba contando a história, mas não estão enxergando esse outro lado”, diz Marcelo Manzano, que também é professor da Unicamp.
O economista prossegue explicando que esse tipo de contabilidade não faz essa diferenciação, do que é investimento e do que é despesa corrente da empresa.
“Se fosse uma empresa privada, se apura o resultado, o faturamento, tudo que vendeu, o que gastou e o resultado é o chamado lucro ou prejuízo. Uma vez tendo o lucro, ele pode ser distribuído para os acionistas ou pode ser utilizado para se investir na própria empresa. É foi isso que aconteceu nas estatais. O resultado operacional dessas empresas, foi superavitário, mas não foi devolvido ao governo, porque houve investimento em uma série de itens, então, ampliam o capital dessas empresas, que, na verdade, é o capital da sociedade, porque elas são públicas, elas são de todos os brasileiros. Então isso não faz sentido chamar isso de prejuízo”, avalia.
Segundo o economista, quando se tenta analisar o funcionamento de uma empresa, ao utilizar a contabilidade do setor público, acaba gerando esse tipo de distorção. Mas, que efetivamente, aquilo não é um déficit, não é um prejuízo que a empresa tem, simplesmente porque ela não repassou para o Estado, para o governo, que é o seu acionista, e resolveu reinvestir.
Operar no vermelho não é um indicador de má gestão de uma empresa, de ineficiência, sem resultados econômicos. Também não seria problema, devo dizer, porque uma empresa estatal não tem obrigação de dar lucro- Marcelo Manzano
Investimentos são lucros no futuro
A supervisora técnica do Dieese, Muriel Lopes, ressalta que de 2017 a 2022, nos anos dos governos de Michel Temer (MDB-SP) e Jair Bolsonaro (PL-RJ), as estatais operaram no lucro, mas a custo social imenso, com o processo de privatização a que essas empresas foram submetidas.
“Os governos anteriores estavam trabalhando ativamente para fechar estatais, para liquidar, privatizar e para isso não estavam investindo o dinheiro necessário como por exemplo deixando de dar reajustes salarias, demitir trabalhadores e não fazer concurso público para as vagas abertas”, explica Muriel.
No governo Lula há uma visão diferente, a de que as estatais têm um papel importante no desenvolvimento econômico brasileiro- Muriel Lopes
A mesma explicação de que os déficits registrados pelas estatais são, em grande parte, decorrentes dos investimentos realizados pelas companhias, pagos com recursos em caixa, tem o governo federal.
O Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI), informou ao G1 que “essas 20 empresas aumentaram em 12,5% seus investimentos em 2024 na comparação com 2023. O valor somou R$ 5,3 bilhões e representa 83% do déficit aferido no ano”.
Estatais têm função social
A economista do Dieese ressalta ainda que há empresas estatais dependentes do tesouro nacional, que o próprio governo intitula como dependente e independente. São empresas que fornecem serviços que as pessoas não podem comprar como, por exemplo, a Embrapa.
“A Embrapa é uma empresa estatal que existe para desenvolver pesquisa agropecuária. Então, o resultado financeiro dela não equivale ao resultado social, porque ela trabalha no desenvolvimento e no melhoramento genético da agricultura e isso tem impacto positivo na economia brasileira. Através de um resultado de produtividade, o lucro é social, que se reverte em resultados positivos para a sociedade”, diz a economista do Dieese.
Muriel explica que as estatais que não têm relação direta, com o público não têm como ser uma empresa com superávit. Não faz nenhum sentido porque ela trabalha informalmente dentro do governo.
O professor da Unicamp Manzano concorda que uma estatal que tenha a obrigação de fornecer esse tipo de serviços, de pesquisa, não pode se esperar dela o mesmo tipo de rentabilidade de uma empresa que atende o mercado, que só atende o filé mignon, a Faria Lima.
“É claro que os parâmetros não podem ser os mesmos. De toda maneira, isso que está sendo dito, de déficit das estatais, é uma grande mentira”, conclui Marcelo Manzano.
Outro exemplo de função social são os Correios, que tem uma sede em qualquer cidade no Brasil, por mais distante que seja dos centros urbanos.
Muriel lembra que nos governos anteriores, os Correios estavam na mira da privatização, o que fez com que perdesse muita capacidade de atuação, por não valorizar os próprios funcionários. E no governo Lula, se volta a ter discussão com a categoria dos carteiros e a empresa começa a ter um aumento de custos que é correspondente a essa nova organização dos trabalhadores.
“Tem que haver um cuidado, porque é uma empresa que tem receitas próprias, então a gente tem que ser equilibrado de alguma maneira, mas a visão do governo de que essa relação com quem já trabalha, já atua na empresa, é muito importante também para pensar com que a empresa vai atuar daqui para frente”, analisa Muriel.
De acordo com o presidente da Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Correios, Telégrafos e Similares (Fentect), Emerson Marinho, durante o governo Bolsonaro estava muito claro o projeto de sucateamento para garantir a privatização.
“Não havia investimentos, não havia troca da frota de veículos, nem inovação tecnológica e automação. Por isso tinha resultado contábil positivo. Hoje a empresa passa por um processo de restruturação e reinvestimento, com o dinheiro do próprio caixa dos Correios”, conta Marinho.
Outro ponto positivo, segundo o dirigente sindical é a volta diálogo com a direção da empresa, o que não havia na gestão anterior.
“Desde a volta à presidência de Lula que melhoraram as condições de trabalho, embora ainda falte dinheiro para obras de reforma das unidades, devido ao sucateamento no governo anterior e isso afeta a vida laboral. Por isso que estamos lutando, dentro do plano de restruturação, para que haja uma política de melhoria nas unidades e nas condições de trabalho, o que demandam mais investimentos”, afirma Marinho.
O que diz o governo sobre os Correios
A secretária de Coordenação e Governança das Empresas Estatais do MGI, Elisa Leonel, disse que o governo estuda a criação de novos negócios pelos quais os Correios vão ampliar a sua presença e gerar receitas adicionais. O déficit foi de R$ 3,2 bilhões.