Toda vez que o governo federal não consegue manter o índice da inflação de acordo com a meta fiscal começa uma “chiadeira” do mercado financeiro e parte da mídia corporativa “preocupados” com as contas públicas e o déficit fiscal. Saiba mais abaixo.
As críticas sempre recaem sobre o quanto o governo “gasta” em benefícios sociais como o Bolsa Família, as aposentadorias e o reajuste do salário mínimo, como se a população mais pobre fosse a responsável pelo que chamam de risco fiscal, que é a possibilidade de o governo federal não ter condições financeiras de pagar suas contas.
Essas críticas, no entanto, são rejeitadas pelo economista da Unicamp, Marcelo Manzano. Segundo ele, o déficit é justificável, compreensível e, é necessário porque os serviços que o Estado faz, o setor privado muitas vezes não quer fazer.
“Alguém precisa fazer mesmo que tenha prejuízo, mesmo que não tenha resultado econômico, digamos assim. O Brasil não tem um problema fiscal grave ou não tem problema fiscal nenhum”, afirma.
Para Manzano o que está por detrás das críticas tem um viés ideológico, uma espécie de queda de braço entre o setor financeiro e o governo, que não é só neste governo, mas sob a presidência de Lula se faz por questões partidárias e ideológicas.
“Esse embate é mais intenso, mas há sistematicamente no Brasil uma queda de braço entre o setor que se beneficia da rentabilidade dos altos juros. E o sistema financeiro chantageia, num certo sentido, pressiona o governo a cortar as despesas públicas, alegando que na ausência de cortes, será necessário subir a taxa de juros”, diz.
A economista, supervisora técnica do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), em Brasília, Mariel Lopes entende que a atuação do governo federal em investimentos sociais está correta e isso vai refletir dentro de alguns anos na queda da dívida, a partir do momento em que a população tiver maior poder de compra. Segundo ela, as necessidades de financiamento desse déficit vão se tornando menores, justamente porque a expectativa é que o governo não precise fazer esses investimentos tão altos, geralmente no período de 30 a 40 anos.
“Estamos num período em que é preciso fazer uma expansão muito grande de gastos sociais, de investimentos públicos, para resolver várias questões estruturais que o país tem. Temos muitas famílias que ainda vivem numa situação muito precária, então faz parte da lógica econômica de que o governo se endivide para ter resultados a longo prazo para conseguir retirar essas famílias da pobreza”, analisa Mariel.
A economista do Dieese reforça que um indicativo de melhoria das condições econômicas do país é o aumento da arrecadação do governo federal. A arrecadação fechou o ano passado em R$ 2,709 trilhões. É o maior valor registrado na série histórica, iniciada em 1995. Descontada a inflação, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), o arrecadado ficou em R$ 2,653 trilhões, o que representa um crescimento real de 9,6% em 2024, na comparação com o ano anterior.
“As pessoas estão saindo da pobreza e um país de renda média, se torna um país desenvolvido, e o financiamento desse déficit fica sendo cada vez menos um problema”, declara.
Outro indicativo de que o mercado financeiro trabalha com especulação é o valor do dólar, que chegou a um patamar de R$ 6,26 e vem caindo por 12 dias seguidos fechando na sexta-feira (7) a R$ 5,74. Segundo analistas econômicos, a queda reflete a taxa de desemprego nos EUA. A previsão era de que fossem criadas cerca de 170 mil vagas, mas chegou a 143 mil.
O mesmo tipo de especulação se faz aqui no Brasil em relação à taxa de desemprego. Uma das queixas do mercado financeiro é o aumento do consumo e da renda dos trabalhadores e trabalhadoras, o que provoca naturalmente um aumento de preços, devido à maior demanda. A média da taxa anual de desemprego em 2024 ficou em 6,6%, o menor índice desde 2012.
“É uma disputa ideológica e de interesse econômico e que no Brasil, dada essa aliança rentista entre as forças que têm poder no Brasil, que defendem esse status quo, são beneficiárias dessa situação. Eles não concordam com esse tipo de construção de sociedade porque ganham dinheiro com isso. Então, há um conluio para manter esse discurso contra o Estado, esse discurso ameaçador de que o Estado está à beira da falência”, critica Manzano.
“Entra governo, sai governo e não se consegue no Brasil quebrar esse conluio que acaba dominando corações e mentes”, acrescenta Manzano.
Juros altos: arma do mercado para manter privilégios
Toda vez que o governo investe mais, causando um déficit na dívida pública, o mercado financeiro reage pressionando para que o Banco Central (independente do governo), aumente os juros. Hoje a taxa Selic está em 13,25%, a terceira mais alta do mundo, enquanto a inflação oficial fechou 2024 em 4,83%. A cada um ponto percentual dos juros, a dívida pública aumenta em R$ 50 bilhões, o que é uma contradição, já que desta forma, o governo cada vez mais fica endividado.
“É um enredo muito conveniente daqueles que vivem da dívida pública, que são beneficiários dessa taxa de juros indescritível. Então, é um embate ideológico entre grupos e entes que se beneficiam desse estado e, que precisam demonstrar que estamos à beira de um precipício das contas públicas”, reage Manzano.
A supervisora técnica do Dieese também critica o mercado financeiro que utiliza a taxa de juros como forma de pressão junto ao governo federal.
“A gente não tem nenhum problema de financiamento dessa dívida nos últimos anos. A questão é que quando tem essas crises de confiança, o mercado brasileiro, pressiona para que os juros que o governo paga fiquem mais altos. Os chamados juros futuros que o governo tem que pagar nos títulos da dívida estão mais longos, acabam aumentando e, isso tem um custo para o governo, porque vai espalhar os juros dessa dívida em algum momento”, diz Mariel.
“E segundo, em relação a déficit, quer dizer, os resultados de a cada ano que corre, de fato o Brasil tem um déficit muito alto. Mas se a gente olha não tem mistério nenhum, pois o principal problema do nosso é justamente o pagamento da taxa de juros”, acrescenta.
De acordo com o economista da Unicamp, o mercado financeiro e a mídia corporativa acabam inventando argumentos para manter os juros altos.
“É quase um escárnio, porque qualquer criança pode observar que não é isso que acontece, mas é isso que prevalece no discurso da imprensa corporativa, e é essa a ideia que se vende”, declara Manzano.
Dívida Pública de outros países
A dívida pública é o estoque de tudo o governo deve em relação ao PIB e, segundo Manzano, o Brasil é absolutamente comportado com a dívida chegando a 76% do Produto Interno Bruto (PIB).
“Isso é bastante razoável, não tem problema nenhum. Muitos países desenvolvidos, do chamado primeiro mundo têm uma relação dívida muito maior em relação ao PIB deles do que a nossa. O Japão chega a mais de 200% os Estados Unidos e a Espanha é mais de 100%”, conta.
“Essa gritaria de que a nossa dívida pública estaria caminhando por um cenário incontrolável, de jeito nenhum isso é verdade, é absolutamente falso”, afirma Manzano.
De acordo com ele, foi graças à condição que o governo teve de ampliar em 2% do PIB em 2023, que a economia conseguiu se recuperar.
“O PIB cresceu acima de todas as expectativas e isso empolgou, isso animou o setor produtivo, as empresas que conseguiram ampliar e resultou que o ano de 2024 também foi muito superior, do que eram estimados por todo o mercado, por todos os agentes econômicos. Foi graças em grande medida ao déficit público de 2023 que a gente conseguiu dar esse avanço. Portanto, o déficit não é ruim em si, depende do momento, depende do ciclo econômico e ele significa que o Estado está transferindo renda para o conjunto da economia”, pondera.
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“O governo transferiu para a sociedade, gastou com a sociedade, seja com escolas, hospitais, serviços em geral. É como se o governo tivesse transferido para a sociedade um valor maior, do que arrecadou na forma de impostos. Isso é positivo, pois que o poder de compra das famílias está aumentando”, conclui.
O que é dívida pública
A dívida pública é uma dívida contraída pelo governo com a finalidade de financiar as despesas que excedem a arrecadação com os impostos pagos pela sociedade e de outras fontes de receita como a venda de ativos, privatizações, etc.
Como funciona: todos os anos, por meio da Lei Orçamentária Anual (LOA), conhecida como o Orçamento da União, o governo faz uma estimativa do quanto arrecadará no ano seguinte e do quanto investirá para mantes o país, ou seja, quanto de recursos vai dispor nas mais diversas áreas como saúde, educação, infraestrutura, segurança, obras públicas, programas sociais e até despesas com folha de pagamento dos servidores públicos.
Caso o valor a ser gasto venha a ser maior do que a arrecadação prevista, o governo, para captar os recursos necessários, lança no mercado financeiro os chamados títulos da dívida pública, ou “Títulos do Tesouro Direto”. São ativos de renda fixa que se constituem como opção de investimento para a sociedade.
Quando o governo faz essa captação de recursos, se compromete a pagar os títulos com juros aos investidores. Por isso, quanto maior a taxa de juros Selic do Banco Central, maior será o valor da dívida pública.
Papel da dívida pública na economia: a relação da dívida pública com o Produto Interno Bruto (PIB), é o que mede a “saúde” da economia de um país.
Desta forma, se um país contrai uma dívida pública para investimentos nas áreas sociais, infraestrutura e desenvolvimento, este país estará assegurando seu crescimento. Por outro lado, se contrai dívida pública para pagar dívidas anteriores, o desenvolvimento fica comprometido.
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Déficit público
É basicamente o valor que o governo gasta menos o que ele arrecada, sem contar o pagamento da taxa de juros em relação à dívida pública brasileira. É por esse indicador que o governo avisa ao mercado financeiro qual será o seu esforço para realizar o pagamento da dívida pública.