Notícia - Mercado financeiro culpa trabalhador ao dizer que empregos geram inflação

Que o mercado financeiro visa o lucro não é segredo para ninguém, mas cada vez mais a ganância está sendo explicitada sem nenhum pudor. Tem sido comum ler e ouvir na imprensa tradicional as opiniões de banqueiros, CEOs e agentes do grande capital criticando o crescimento da economia do Brasil - o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 3,4% no ano passado -  e, em especial, o aumento de vagas de emprego e o aumento da renda do trabalhador.

O ano de 2024 fechou com índice de desemprego em 6,6%, o menor dos últimos 12 anos. O país bateu recorde de pessoas ocupadas, com mais de 103,3 milhões na média do ano, e que juntas ganharam aproximadamente R$ 328,9 bilhões por mês na média anual, também a maior massa de rendimentos reais da série histórica. 

Até mesmo a liberação de R$ 12 bilhões do saldo do FGTS que estava retido para os trabalhadores e trabalhadoras que optaram pelo saque-aniversário entrou no radar dos investidores. A medida, segundo esses analistas ouvidos pelo Poder 360, tem potencial de impacto no PIB e na inflação. No ano passado o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede a inflação oficial do país ficou em 4,83%.

Produtividade X juros altos

Outra queixa dos agentes financeiros, publicada pelo Valor Econômico, é a de que com o mercado aquecido, o salário cresce acima da produtividade e contribui para pressão sobre inflação de serviços. Na mesma reportagem o alerta era de que “os salários estão crescendo mais rapidamente do que a produtividade do trabalho”.

Embora num sistema capitalista seja normal quando há maior consumo haver aumento de preços, a diretora-técnica do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Adriana Marcolino critica o posicionamento desses analistas econômicos. Para ela é um contrassenso, um mundo invertido, em que um país que gera emprego é avaliado como em uma situação de crise.

Ela se refere também à reportagem da Folha de São Paulo em que analistas econômicos avaliaram que os sucessivos aumentos da renda beneficiam os trabalhadores, mas, sem ganhos de produtividade, tendem a trazer desafios para o combate à inflação.

O professor sênior da Faculdade de Economia da USP, Hélio Zylberstajn, defendeu, em reportagem publicada pelo G1, nesta quinta-feira (6), que “o ideal seria aumentar o PIB pelo investimento, com máquinas, fábricas, pontes, estradas… Aí, aumentando a capacidade produtiva, se as famílias quiserem consumir mais, o país vai ter como atender”.

Adriana Marcolino concorda que “para a produtividade do trabalho no Brasil crescer é preciso investimentos na indústria, melhorar os processos produtivos e, não é só a qualificação dos trabalhadores. Mas com arrocho, com uma pressão para uma política fiscal mais austera é muito difícil que se consiga superar o problema da produtividade, porque de onde viriam os investimentos para a infraestrutura para quê, de fato, se aumente essa produtividade?”, questiona.

“Então, não existe só o problema da produtividade, mas também a taxa de juros que põe um limite muito grande para qualquer investimento no país”, explica Adriana Marcolino.

No entanto, dentre as análises de agentes financeiros, a que mais defendem são os juros cobrados pelo Banco Central (Selic), que hoje estão em 13,25%, com possibilidade de chegar em 15% ainda este ano. Na análise dos boletins do Banco Central que antecedem ao anúncio da taxa de juros, também há uma “preocupação” constante: o índice de emprego tem de cair para conter a inflação. Por diversas vezes, o ex-presidente do BC, Campos Neto, criticou o aumento do emprego no país.

Essa mentalidade do mercado financeiro é criticada pelo secretário de Administração e Finanças da CUT, Ariovaldo de Camargo. Ele afirma que o combate à inflação se faz utilizando outros mecanismos e nunca pelo endividamento das pessoas e do país, nem pelas altas taxas de juros porque isso diminui os investimentos por parte do governo federal e do próprio setor privado, que prefere utilizar os seus recursos para especulação no mercado financeiro, com relação, por exemplo, ao valor do dólar.

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Nós estamos numa luta permanente em pedir que o Banco Central volte a ter um processo de diminuição da taxa de juros, para que se possa gerar mais e melhores empregos, principalmente empregos permanentes, não temporários, como os que ocorrem ao final de cada ano- Ariovaldo de Camargo

“Um caminho seria o de se construir políticas que permitam com que o investimento e o emprego de qualidade retornem, e que se possa combater a inflação com mecanismos que o governo federal precisa fazer, como, por exemplo, a redução do juro sobre alimentos, que obviamente que todos nós percebemos que está alto e, portanto, nós precisamos conter urgentemente essa questão”, complementa o dirigente da CUT.

Para Ariovaldo uma das formas para que isso aconteça é concluir a reforma tributária para que quem ganha menos pague menos, e quem ganha mais pague mais.

“Assim será possível fazer uma distribuição de renda nesse país e um equilíbrio para que a gente possa ter o mínimo possível de diferença entre a classe mais rica e os mais pobres, ou seja, precisamos diminuir a diferença entre ricos e pobres”, analisa.

Interesses nos recursos públicos

A diretora-técnica do Dieese destaca que o mercado financeiro tem grande interesse nos recursos públicos para que eles não sejam utilizados em prol da sociedade.

“O mercado financeiro disputa esse recurso, não para o sistema produtivo. Ele tira a renda que circula na economia para ir para a esfera financeira. Não há uma preocupação deles com o sucesso de uma política econômica ou com o desenvolvimento de um país. O mercado se interessa pelo retorno financeiro rápido e o mais alto possível”, afirma.

Adriana lembra que a quebra do sistema financeiro em 2008 e 2009, que é a maior crise mundial mais recente, mantinha esse mercado de forma insustentável a médio e longo prazo. Ainda assim, investidores defendiam um sistema como aquele.

Segundo ela, o mercado tem muita facilidade em colocar os seus investimentos e seguir ganhando. Então, para eles, defender as premissas neoliberais, de livre mercado, ajudam a se apropriarem da renda do trabalho com o crédito super caro que é oferecido para as famílias, como também se apropriar da maior parte dos recursos do Estado.

Ela explica que o mercado além de ganhar com a privatização de estatais se utiliza da dívida pública. Os títulos da dívida estão no sistema financeiro e, é uma forma do país se financiar e, eles são renegociados todo ano, mas têm alguns em que o país paga o serviço dessa dívida. Cada vez que aumentam os juros, aumenta o volume de dinheiro que é transferido da União para o sistema financeiro.

“Só no ano passado o Brasil gastou com os juros de serviço da dívida R$ 950 bilhões. Então você imagina, quantas Bolsas Família, programas Pé-de-Meia, quantas escolas e creches não poderiam ser incrementados com 950 bilhões de investimentos?. Só que esse dinheiro, ao invés de entrar em políticas públicas e, portanto, ser apropriado por toda a população, é apropriado pelo sistema financeiro apropriado, de forma privada”, diz

Ainda assim, o Brasil está longe de estar numa economia com algum risco de quebrar por ter reservas cambiais de R$ 300 bilhões- Adriana Marcolino

“Os agentes financeiros não têm nenhuma preocupação com a sustentabilidade de uma economia. Portanto, é falsa essa preocupação com a inflação e com os gastos públicos, com a política fiscal, com o endividamento. Na verdade, eles não respeitam o interesse de uma Nação”, conclui.


Fonte:  Rosely Rocha - CUT / Foto: Rovena Rosa / Agência Brasil - 07/03/2025


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