Notícia - Quantas mulheres são necessárias para o mundo ter paz, amor e generosidade?

Por Marcos Aurélio Ruy

Em 2025, a Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag) chega totalmente unida para a eleição da nova diretoria, que acontece em abril. A união se substanciou com a formação de uma chapa única.

Eis que surge um nome de unidade. Vânia Marques Pinto, a primeira mulher a presidir a importante confederação, que há mais de 60 anos congrega as 27 federações de trabalhadoras e trabalhadores do campo e cerca de quatro mil sindicatos de todo o país.

Já em 2018, Vânia era a primeira mulher a assumir a Secretaria Geral da Federação dos Trabalhadores Rurais e Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado da Bahia (Fetag-BA). Com muita humildade e simplicidade, ela vai navegando nos mares do machismo e se impondo como uma figura ímpar no movimento sindical. Removendo as pedras do caminho como as mulheres sabem fazer melhor do que ninguém.

Para ela, “ter uma mulher à frente da coordenação da Contag é um marco e uma reparação histórica, uma vez que a luta e a organização das mulheres fazem parte da trajetória da entidade”, porque “nós mulheres organizadas na Contag sempre lutamos pelos direitos das mulheres e a realização da Marcha das Margaridas é exemplo disso”, mas “queremos avançar ainda mais, lutaremos por mais direitos, políticas públicas e igualdade de gênero dentro e fora do nosso movimento”.

Tudo começou quando sua família retornou à Bahia depois de ter migrado para o interior de São Paulo. “Minha família faz parte das muitas que participaram do êxodo rural lá na década de 1980-1990. Então eu cresci em um bairro que era uma Chácara em uma cidade do estado de São Paulo”. A futura presidenta da Contag lembra “de ter chegado lá quando tinha por volta de 5 anos. Poucas casas e muito verde. Nosso quintal era pequeno, mas, mesmo assim, tinha horta, uns pezinhos de aipim e muita planta medicinal”.

Na Bahia abraçou a luta pela posse da terra, como ela diz. “Iniciei minha militância política sindical através da luta pela terra em uma área de acampamento de reforma agrária” porque “ter acesso à terra é fundamental”.

Porque “a reforma agrária é um conjunto de políticas que vai desde a posse da terra até as políticas públicas que possibilitam a nossa permanência no campo. E essas vão desde as políticas sociais (educação do campo, saúde, lazer, habitação) até as agrícolas (crédito, assistência técnica e extensão rural, comercialização)”.

Filha de família da roça, ela conta que “durante a infância minha única preocupação era estudar” e a família foi fundamental para isso, num tempo que não existia o Enem, o ProUni, nada que facilitasse a vida de jovens de famílias da classe trabalhadora.

“Minha mãe dizia que eu tinha que ter estudo, porque ela tinha um sonho de ter estudo e não podia. Passamos por muitas adversidades como a falta de emprego por longos períodos”, diz emocionada. “Já na fase juvenil minha família resolveu retornar para a Bahia. E o sonho era ter uma terra para plantar e voltar às origens”. Período em que ela acalentava o sonho de “fazer uma graduação”.

Na Bahia conheceu outras experiências, “como ver de perto e trabalhar num garimpo de cristais”. Nesse ínterim ela e uma tia ficaram sabendo “de um projeto de assentamento de reforma agrária em Iraquara, interior do estado. E lá fomos nós para o acampamento da Reunidas FS. Foi assim que me tornei agricultora familiar”.

Sua trajetória começou no Sindicato dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares de Iraquara, onde o seu primeiro cargo foi de “secretária de Formação, Organização Sindical e Políticas Sociais”. Já na Fetag-BA, “comecei como suplente de diretoria e depois fui eleita para Secretaria de Formação e Organização Sindical e cheguei a ser eleita para a Secretaria Geral. Na Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), “assumi a Secretaria de Políticas Sociais e posteriormente a Secretaria de Política Agrícola e Agrária e na Contag, a Secretaria de Políticas Agrícolas”.

Sua força se forjou na luta pela terra. “Em dois anos acampada e morando no barraco de lona aprendi muito. E tive a oportunidade de conhecer em 2004 o Grito da Terra Brasil realizado pela Contag. Momento que me encantou e me despertou para a luta político-sindical”.

Desde então, “o trabalho sindical tem sido um grande desafio. Porque ao mesmo tempo que eu estava na militância, optei por também estudar. Em 2005, fiz o vestibular do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), passei e comecei o curso de Pedagogia da Terra. Uma experiência indescritível”.

Logo após a conclusão do meu curso de pedagogia da terra pelo Pronera, iniciei duas pós-graduações e logo em seguida o mestrado. De certa forma sobrou pouco tempo para a família e para a vida social”. Mesmo com tantos sacrifícios, ela reconhece que a luta é gratificante, mas “manter esse equilíbrio não é tarefa fácil”. Contudo, “tem sido uma meta de vida equilibrar o pessoal e o profissional”. Hoje ela tem formação em Pedagogia da Terra e mestrado em Educação do Campo.

“Uma das diferenças é que o trabalho feito por nós mulheres no campo é ainda mais invisibilizado” porque “até o trabalho produtivo (roça) é considerado uma ajuda. Assim como no meio urbano a divisão sexual do trabalho é algo que raramente acontece”.

E, além disso, “a violência muito presente em nossas vidas”, assim como “a falta de acesso a políticas públicas como creche, crédito e na área da saúde”. Essa é a “realidade das mulheres no meio rural”. Por isso, “nós mulheres estamos sempre nos desafiando” porque “numa sociedade machista como a nossa, sempre temos que nos dedicar o dobro, estudar mais, e abdicar de muitas coisas para ter ‘sucesso’ profissional. Mesmo quando se tem qualificação e experiência, ainda assim a nossa capacidade é questionada”.

E ainda para mostrar que, com sua firmeza e sentimento de justiça, a Contag será firme na denúncia do latifúndio como prejudicial ao desenvolvimento do país e na produção de alimentos saudáveis. Porque “há produtores que preferem jogar alimento no lixo do que vendê-los pelo preço justo”. Como na música de Chico Buarque e Milton Nascimento O Cio da Terra ela defende a necessidade de afagar a terra e conhecer os seus desejos, a crise climática que o diga.

Para Vânia, “essa ação só mostra que a fome é um ato político. A pobreza e extrema pobreza existem para garantir mão de obra barata para os que detêm os meios de produção possam lucrar com a exploração de nossas forças de trabalho”. Portanto, “é inadmissível ver tantas pessoas em situação de fome e toneladas de alimentos sendo destruídos para aumentar o preço dos produtos”.

Com essa mesma firmeza, Vânia lembra que “a agricultura familiar hoje tem um percentual de mais de 60% de presença feminina em algumas regiões no país” e essa “ocupação de mulheres em espaços de poder pode contribuir para que as demandas das agricultoras sejam ouvidas e atendidas”.

Mazé Moraes, secretária da Mulher, Vânia, Sandra Paula Bonetti, secretária do Meio Ambiente e Edjane Rodrigues, secretária de Políticas Sociais, companheiras dela na Contag, no ato de assinatura da Chapa única

Mesmo sabendo “o quanto é difícil o nosso acesso às políticas públicas, acredito que sabendo do que precisamos podemos contribuir para que as políticas cheguem nas nossas bases e principalmente nas mulheres, que em muitos casos até chefiam as famílias”.

Um dos temas candentes para as trabalhadoras e os trabalhadores do campo, principalmente à juventude, é a permanência no campo. Por isso, a sindicalista reforça a luta por políticas públicas que atendam a essa demanda.

“A sucessão rural tem sido a nossa palavra de ordem nesse último período” porque “para garantir a permanência da juventude no campo, necessitamos de um conjunto de ações e políticas”. É dessa forma que “as juventudes do campo querem viver, ter renda, poder aquisitivo e acesso às coisas comuns à sua idade” e para isso “é fundamental ter terra, água, agroindústria familiar, assistência técnica, crédito”, ou seja, “um conjunto de políticas que lhe garanta produzir, comercializar e ter renda para viver. Da mesma forma ter acesso à educação, saúde, lazer, esporte, cultura e as tecnologias”.

“Ser mulher e estar em espaços de liderança é extremamente desafiador, mas também é gratificante pois podemos mostrar que apesar das desigualdades de gênero nós podemos sim ocupar esses espaços, fazendo um trabalho com eficiência, firmeza, leveza e amorosidade”, diz Vânia.

Como se vê, ela unifica em si as lutas por terra a quem nela trabalha, pelos direitos das mulheres no campo e na cidade, pelo fortalecimento da agricultura familiar como uma das formas essenciais para se acabar com a fome no Brasil e também a luta por um país onde prevaleçam a solidariedade, a generosidade, os direitos humanos e a justiça social.

Marcos Aurélio Ruy é jornalista


Fonte:  Rádio Peão Brasil - 12/03/2025


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