Há quatro décadas, trabalhadores brasileiros construíam o que, na época, parecia algo distante da realidade: a redução da jornada de trabalho, em plena transição da ditadura militar para a chamada Nova República.
No Vale do Paraíba, o movimento mostrou a sua força. Era 11 de abril de 1985 quando cerca de 16 mil metalúrgicos atenderam ao comando de greve feito pelo Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos e Região. O movimento exigia reajuste salarial e redução da jornada de 48 para 40 horas semanais.
A greve atingiu diversas empresas, entre elas a Philips e a Bundy (atual TI Automotive), mas foram os trabalhadores da General Motors de São José dos Campos, por uma série de circunstâncias, os protagonistas do movimento, que durou 28 dias na fábrica.
No início, os operários da fabricante de automóveis se revezavam na greve, obedecendo aos horários dos turnos. Porém, no dia 25 de abril, a GM agiu com profunda arbitrariedade e demitiu 93 trabalhadores por “justa causa”. Eram membros da comissão de fábrica, cipeiros, diretores do Sindicato e ativistas – todos com estabilidade no emprego.
A forte represália ao movimento gerou revolta entre os metalúrgicos, que decidiram contra-atacar e ocupar a fábrica. Durante três dias, parentes e apoiadores levaram alimentos e agasalhos para os grevistas, que permaneciam dentro da empresa, cercada por centenas de policiais.
A tensão chegou ao máximo no dia 27 com a tropa de choque, fortemente armada, ameaçando entrar, e os metalúrgicos dentro da GM resistindo e organizando sua autodefesa. O clima de beligerância subia a cada minuto, mas a ocupação acabou sendo encerrada, sem o temido enfrentamento.
A greve acabou uma semana depois, em 9 de maio, mas, antes disso, a direção da General Motors já demonstrava sede de vingança. Depois de forte repressão e abertura de inquérito policial, 33 trabalhadores foram indiciados criminalmente e outros 400 demitidos.
Lideranças da greve e trabalhadores comuns tiveram seus nomes incluídos em uma “lista suja” enviada ao Serviço Nacional de Informações (SNI) da ditadura e a empresas da região. Marcados como “subversivos”, não conseguiam emprego em outros locais. A reparação só veio em 2008, com a concessão de anistia política pelo Ministério da Justiça. A GM e demais fábricas até hoje não foram punidas.
Mesmo sem uma vitória imediata, a mobilização corajosa abriu caminho para conquistas: em setembro de 1985, a jornada na GM foi reduzida para 45 horas semanais. Em 1987, o Sindicato negociou a diminuição para 44 horas para toda a categoria.
Já em 1988, a redução da jornada de trabalho de 48 para 44 horas semanais foi incorporada à Constituição, representando uma das mais significativas vitórias do movimento sindical brasileiro – e os trabalhadores da GM, sem dúvida, contribuíram muito para isso.
A luta não cessou. No ano 2000, o Sindicato seguiu o processo de luta, e a GM adotou jornada de 40 horas semanais.
Esse retrospecto comprova que é possível conquistar direitos que podem parecer, num primeiro momento, inatingíveis. Hoje, o Sindicato mantém a mobilização pela redução da jornada de trabalho sem prejuízo salarial. Também defende o fim da escala de trabalho no modelo 6x1, faceta mais atual da precarização a que a classe trabalhadora é submetida.
Mesmo que grandes empresários e políticos da extrema direita tentem desacreditar o movimento, conhecemos a força da classe trabalhadora. Que o exemplo de organização e combatividade dos grevistas da GM de 1985 possa nos inspirar para as lutas que travamos nos dias de hoje e no futuro.
Valmir Mariano é vice-presidente do Sindicato e trabalhador da GM