Notícia - Entidades alertam para os riscos de retirada da competência da Justiça do Trabalho

A retirada de mais de 100 direitos contidos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a partir da reforma Trabalhista de 2017, no governo de Michel Temer, traz ainda hoje consequências nefastas para os trabalhadores e trabalhadoras devido à algumas ações que estão sendo julgadas no Supremo Tribunal Federal (STF), sobre as relações de trabalho que têm como referência as mudanças na legislação trabalhista. Uma delas é a contratação irrestrita no modelo Pessoa Jurídica (PJ), a chamada “pejotizaçao”, em que o trabalhador faz um contrato com a empresa para fornecer seus serviços como se fosse outra empresa.

Embora este tipo de contrato seja legal, o que tem ocorrido em muitos casos é a fraude contratual, em que o trabalhador tem horário a cumprir, uma jornada semanal e é subordinado diretamente à uma chefia como qualquer trabalhador registrado em carteira sob o regime celetista. Assim, ele não recebe 13º salário, férias remuneradas, Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), e a contribuição à Previdência Social, entre tantos outros direitos.

Diante de milhares de casos desse tipo, os trabalhadores têm recorrido à Justiça do Trabalho para que seja reconhecido o vínculo empregatício, o que acabou suscitando debates sobre o tema, já que o reconhecimento nem sempre é feito e as ações acabam chegando ao STF, a mais alta Corte do país.

Há um mês, em 14 de abril, o ministro do Supremo, Gilmar Mendes, decidiu suspender todas as ações sobre pejotização até que a Corte, formada por 11 ministros, deem seu parecer final. Ainda não há prazo para esta tomada de decisão, mas a expectativa é que ela ocorra no segundo semestre deste ano.

Além dos inúmeros prejuízos financeiros aos trabalhadores, dependendo da decisão a ser tomada pelos ministros, os impactos junto à Justiça do Trabalho serão também negativos, já que o STF tem derrubado decisões tomadas por Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) e até do Superior Tribunal do Trabalho (TST), que favorecem os trabalhadores que questionam a pejotização.

A preocupação das entidades trabalhistas é a de que a competência delas sobre esse e outros direitos seja retirada. Isto porque é possível que o contrato do pejotizado com uma empresa seja considerado um contrato comercial, da esfera civil e, portanto, não envolve a Justiça do Trabalho. Neste caso caberia à Justiça Civil verificar se o contrato é fraudulento, ou não, e somente depois de detectar alguma fraude é que a ação seria encaminhada à Justiça do Trabalho.

Para essas entidades há um risco enorme de perda de competência porque já são 80 anos que a Justiça do Trabalho tem essa expertise e, que está garantida por uma Emenda Constitucional de 2004. Tanto que representantes da Associação Nacional das Magistradas e Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra); Associação Nacional dos Procuradores e das Procuradoras do Trabalho (ANPT) e da Associação Brasileira da Advocacia Trabalhista (Abrat), realizaram a Mobilização Nacional em Defesa da Justiça do Trabalho, em diversos estados, na semana passada, e assinaram um manifesto conjunto em defesa da competência da Justiça do Trabalho.

O vice-presidente da Anamatra ressalta que não há por parte da entidade um conflito com o STF, mas que há uma compreensão diversa do que a Suprema Corte está encaminhando, ao menos em alguns pronunciamentos, especificamente de forma muito forte em relação à questão da competência da Justiça do Trabalho.

“O que se vê é que o Supremo Tribunal caminha num sentido inverso, a partir de uma concepção de que é possível outras formas de organização de trabalho, de contratação. A Corte está exercendo a sua jurisdição na parte que compreende, e nós estamos fazendo, respeitosamente, dentro dos limites institucionais, um contraponto. Nós temos realmente uma preocupação com o posicionamento, com o caminho de entendimento que o Supremo está tendo agora quanto à legislação trabalhista e, que isso vai pavimentar a jurisprudência sobre o tema”, diz o juiz.

Segundo Pugliesi, a Justiça do Trabalho, ao contrário do que alguns entendimentos têm sido apontados pelo Supremo, é competente para separar o "joio do trigo", e definir a relação jurídica e essa competência é da Justiça do Trabalho, de acordo com a Emenda Constitucional nº 45.

“A Justiça comum, não está talhada, e aí não há nenhuma crítica, óbvio, para a Justiça comum. Mas você tem a estrutura de uma Justiça especializada que existe há 80 anos, que tem como expertise os seus magistrados, todos capacitados exatamente para solucionar essas questões do mundo do trabalho”, reforça Pugliesi.

A ANPT observa com bastante preocupação a decisão do ministro Gilmar Mendes, porque segundo o vice-presidente da entidade, Marcelo Crisanto Souto Maior, o que está em jogo não é apenas a competência da Justiça do Trabalho, mas a própria vigência do artigo 7º da Constituição Federal, uma vez que, ao se possibilitar a pejotização irrestrita, está se afastando dos pilares do direito do trabalho no Brasil.

Para o ele o contrato de trabalho deve ser interpretado pela própria Justiça do Trabalho e apenas ir para a Justiça comum os contratos de forma residual, aqueles que efetivamente são albergados como contratos de natureza civil ou comercial.

“Estamos atentos a isso, temos, obviamente, trabalhado pela revisão dessa decisão e qualquer tipo de decisão que venha a minimizar ou diminuir o que nós chamamos de patamar civilizatório mínimo, que são aqueles direitos postos. A ANPT vai ter sempre reação firme e adequada para essa tentativa de diminuição do Estado Social Democrático do Brasil”, diz Souto Maior.

Já outra preocupação do vice-presidente da Anamatra, é a de que é preciso ter limites, embora a legislação trabalhista precise de aprimoramentos e de atualização, pelo atual período de alta transição, de avanço tecnológico, com consequências claras nas relações de trabalho.

O ponto que a Anamatra defende, no que diz respeito à legislação do trabalho, é que o empregador ou o tomador do serviço, o empresário, ele tem efetivamente a opção de escolher o seu modelo de negócio, mas ele não pode contratar empregados subordinados porque é necessário pelo seu modelo de negócio e, para redução de custos, simular um contrato de autônomo, de prestação de serviços, para tentar fugir da legislação trabalhista. Isso é fraude- Valter Souza Pugliesi

De acordo com o juiz, ações na Justiça do Trabalho em que se questionava vínculo de emprego, foram só no ano passado, mais de 280 mil. Ainda não tiveram uma decisão da Justiça do Trabalho sobre relação de emprego, reconhecimento ou não, mais de 400 mil ações. Já dados do TST mostram que 2025, só até fevereiro, foram ajuizados 53.783 novos casos, o que coloca o tema em 16º no ranking dos que mais levam as pessoas à Justiça do Trabalho. 

Além da morosidade na conclusão das ações, o que preocupa os procuradores do Trabalho são os prejuízos para a Seguridade Social porque a partir do momento que as pessoas começam a trabalhar pela forma de pessoa jurídica elas não recolhem para o tributo como recolheriam se efetivamente fossem contratados pela CLT e o impacto principal é que não haveria contribuição patronal.

Temos que pensar no futuro. Se as pessoas não fazem o recolhimento previdenciário adequado, no futuro, quando elas perderem sua capacidade produtiva, elas não terão direito, ao menos do ponto de vista contributivo normal e, elas necessariamente irão para a Assistência Social, gerando um déficit ainda maior na Seguridade Social- Marcelo Crisanto Souto Maior

Segundo o procurador, esse é um prejuízo fiscal evidente, identificável, mas há outros prejuízos, como por exemplo, do ponto de vista de saúde mental dos trabalhadores.

“Se você não tem um contrato de trabalho estável, com as garantias inerentes a um contrato de trabalho, ou se você está sujeito a uma jornada de trabalho sem limites, você não tem as garantias contra despedidas arbitrárias, não há necessariamente garantias de repouso de salário, isso gera impacto na saúde mental”, diz.

Entre outros prejuízos aos trabalhadores, citados pelo vice-presidente da ANPT estão um possível acidente durante a execução de um contrato civil, fraudulento, tirando do trabalhador acesso aos benefícios acidentários. A gestante também não vai ter direito à licença maternidade após o nascimento de seu filho e vai ficar sem renda nesse período.

“São prejuízos sociais e fiscais, que a sociedade irá sofrer caso a pejotização irrestrita seja ratificada pelo Supremo Tribunal Federal”, conclui Souto Maior.

A mesma preocupação tem a Anamatra. O vice-presidente da entidade conta que o ministro do STF Flávio Dino, disse de forma pública, tanto em julgamentos na 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, como em palestras acadêmicas que a pejotização desenfreada é uma bomba fiscal, o que foi corroborado pelo ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho.

“Ele chegou a falar que a pejotização acaba com a previdência social.Tem a questão do FGTS que deixa de ser recolhido, que tem uma função social extremamente relevante, que é o financiamento da habitação. Prejudica também o Sistema S, que é responsável pela capacitação, pela qualificação de trabalhadores, que é calculado e recolhido em cima de folha de pagamento. Ou seja, há uma consequência fiscal, no seu sentido amplo, tanto de tributos como de contribuições sociais e previdenciárias imensas nessa migração que se pretende”, ressalta Pugliesi.

Essas são apenas algumas consequências da pejotização observadas pelas entidades. Já o advogado especialista em Direito do Trabalho, Eymard Loguercio, que assessora a CUT Nacional faz mais alertas.

“Hoje você tem as cotas de aprendizes, a questão do trabalho da mulher e da questão da lei da igualdade, no pressuposto que você está numa relação de emprego. Mas quando está fora de relação de emprego, não está assegurada essa questão da cota de aprendizes, a questão da equiparação do trabalho. Então, você vai tendo consequências para essas outras garantias que foram duramente conquistadas”, diz.

 “Há também consequências óbvias para o sistema sindical, porque as pessoas vão deixando de pertencer às categorias e, portanto, não vai ter cobertura de convenção coletiva, correção salarial, os ganhos com o PLR, a garantia de afastamento por doença. Enfim, nenhum desses direitos estão garantidos sem relação de emprego”, conclui Eymard.

 

 


Fonte:  Rosely Rocha - CUT / Foto: Bárbara Cabral/TST - 15/05/2025

 

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