Notícia - Assessor jurídico da CUT alerta para fraude trabalhista nos contratos de pejotização

O avanço da “pejotização” no Brasil acentua a precarização das relações trabalhistas, compromete a proteção social e esvazia direitos garantidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). A crítica foi feita por autoridades e especialistas durante audiência pública da Comissão de Assuntos Sociais (CAS) nesta quinta-feira (29). Na chamada pejotização, o trabalhador é contratado como pessoa jurídica pela empresa, que com isso reduz custos e obrigações legais.

O debate atendeu pedido (REQ 27/2025 - CAS) do senador Paulo Paim (PT-RS), em virtude da suspensão de centenas de milhares de ações no Supremo Tribunal Federal (STF), por decisão do ministro Gilmar Mendes, que pedem o reconhecimento do vínculo empregatício. Os ministros deverão definir se a pejotização poderá ser irrestrita. (Leia mais abaixo).

Paulo Paim classificou a pejotização como “uma ameaça direta aos direitos trabalhistas” e “um ataque frontal à CLT”. Para o senador, essa prática “fragiliza o pacto social brasileiro” ao permitir contratações que mascaram relações empregatícias e negam direitos como férias, 13º, FGTS e licenças. 

“Estamos falando de milhões de trabalhadores e de um rombo que já chega a R$ 89 bilhões aos cofres públicos desde a reforma trabalhista”, alertou Paim, ao citar estudos da Fundação Getulio Vargas (FGV) e do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). 

Ricardo Carneiro, assessor jurídico da Central Única dos Trabalhadores (CUT), sócio do escritório LBS Advogadas e Advogados, reforçou que a pejotização generalizada transfere todo o risco da atividade econômica ao trabalhador e enfraquece a organização sindical. Para ele, essa falsa autonomia serve apenas para livrar o empregador de obrigações legais, previdenciárias e trabalhistas.

“O que se vê, na prática, é o uso de contratos civis para camuflar relações subordinadas, contínuas, pessoais e onerosas, exatamente como define a CLT sobre vínculo de emprego. Não se trata de liberdade de escolha. É chantagem social travestida de contrato civil. O trabalhador é obrigado a se tornar pessoa jurídica para sobreviver”, afirma.

Segundo ele, o que está em jogo não é apenas a legalidade de uma contratação específica, como no caso do corretor de seguros contratado sob a forma de franquia, mas a permissão ou não de uma ampla precarização do trabalho.

Há quem diga que essas contratações são "livres", que o trabalhador autônomo “aceitou” as condições. Mas que liberdade existe quando um trabalhador, muitas vezes sem alternativa de sustento, é obrigado a abrir uma Microempresa Individual ou assinar um contrato de prestação de serviços para manter seu trabalho?- Ricardo Carneiro

 

Risco para o caixa da Previdência Social

O advogado reforçou ainda as perdas para a Previdência Social e as contas públicas caso a pejotização irrestrita seja legalizada, já que milhares de contribuições deixam de ser feitas na forma prevista na legislação, o que desfinancia o sistema público de proteção social. As empresas, ao contratarem pessoas por meio de CNPJ ou como autônomos, deixam de recolher encargos essenciais, como a parte patronal do INSS, impactando diretamente o caixa da Previdência.

Além disso, o trabalhador pejotizado, em sua imensa maioria, contribui de forma intermitente, em alíquotas mínimas e com vínculos frágeis — quando contribui.

“Isso compromete seu acesso a benefícios como aposentadoria por tempo de contribuição, auxílio-doença, salário-maternidade e pensão por morte. Ou seja, a pejotização afeta não só o presente do trabalhador, mas também destrói seu futuro. É uma conta que recai, cedo ou tarde, sobre toda a sociedade, pois gera informalidade, vulnerabilidade e aumenta a demanda por assistência pública”, afirmou.

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A centralidade do sindicato

Diante da comissão, Ricardo Carneiro lembrou que “o enfraquecimento da proteção trabalhista vai de mãos dadas com o enfraquecimento da organização sindical. Um trabalhador contratado como PJ ou MEI não pode se sindicalizar na sua categoria, não participa de acordos coletivos, não se beneficia de convenções, não tem representação nas negociações.

"Essa fragmentação do trabalho serve apenas ao capital. Para nós, da CUT, ela é inadmissível. A organização coletiva é o principal instrumento de defesa do trabalho. E para que ela exista com força, é preciso que haja reconhecimento de vínculos formais e regulares".

 

Autoridades criticam a pejotização

Presente à audiência no Senado, o ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Augusto César Leite de Carvalho, definiu a pejotização como sinônimo de fraude. 

“Não há base jurídica para a pejotização como forma lícita de contratação quando há subordinação, pessoalidade e continuidade. A realidade dos fatos deve prevalecer sobre a formalidade do contrato”, defendeu. 

Ele ainda alertou para o risco de retrocesso social. 

“A autorização dessa prática fragiliza a rede de proteção social que financia direitos como licença-maternidade, auxílio-doença e aposentadoria”, pontuou. 

 

Números 

A coordenadora-geral de Fiscalização e Promoção do Trabalho Decente do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Dercylete Loureiro, apresentou dados levantados pelo ministério sobre o perfil dos trabalhadores pejotizados: 93% ganham até R$ 6 mil e, desses, mais da metade recebe até R$ 2 mil. 

“Estamos falando de faxineiros, serventes, vendedores, porteiros. Pessoas vulneráveis que não têm patrimônio para dissociar da própria força de trabalho. É uma crise existencial do direito do trabalho; elas são submetidas a contratos precários por falta de alternativas”, declarou. 

Representante do Ministério Público do Trabalho (MPT), o coordenador nacional de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho, Renan Kalil, destacou que o número de denúncias de fraudes trabalhistas quintuplicou na última década. 

“Ou reafirmamos a primazia da realidade ou consagraremos um modelo de faz de conta, que legitima a fraude e desmonta o direito do trabalho” afirmou, ao defender que o Supremo Tribunal Federal (STF) preserve os fundamentos constitucionais da proteção ao trabalho.  

 

Vínculo precário 

O desembargador Clóvis Schuch Santos, do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 4ª Região, criticou decisões do Supremo que, segundo ele, invalidam decisões da Justiça do Trabalho com base apenas na formalização dos contratos. 

“Estamos vendo uma destruição da CLT, da Previdência e até da economia, com a legitimação de vínculos precários”, lamentou. 

Pesquisadora da Universidade de Campinas (Unicamp) e desembargadora aposentada do TRT-4, Magda Barros Biavaschi lembrou que a Constituição de 1988 impõe limites à livre iniciativa, ao condicioná-la ao valor social do trabalho.

Para ela, ao desconsiderar o princípio da primazia da realidade, o STF “nega a razão de ser do direito do trabalho e do sistema público de proteção social”. 

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Entenda

A preocupação com a pejotização se dá em virtude da decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, de suspender em 14 de abril, as cerca de 500 mil ações sobre reconhecimento de vínculo empregatício.

A decisão foi tomada depois que a Corte reconheceu, dias antes, a repercussão geral do assunto, ou seja, a necessidade de se tomar uma decisão que sirva de modelo para todos os casos semelhantes, unificando o entendimento da Justiça brasileira sobre o tema.

Essa uniformização se tornou necessária porque o TST já havia se posicionado contra a pejotização, o que impulsionou a justiça trabalhista a reconhecer o vínculo de prestadores pejotizados.

Para o ministro Gilmar da Mendes, a Justiça do Trabalho tem ignorado decisões da Corte sobre terceirização, o que tem gerado insegurança jurídica e lotado o tribunal com recursos repetidos.

Agora, o STF decidirá se a Justiça do Trabalho é a única que pode julgar casos de fraude no contrato de prestação de serviços, se é legal contratar pessoa jurídica em vez de assinar carteira de trabalho e quem deve provar se houve fraude: o patrão ou o trabalhador.

O julgamento ainda não tem data definida. A previsão é a de que ocorra no próximo semestre.


Fonte:  Redação CUT | Editado por: Rosely Rocha - CUT - com informações da Agência Senado / Foto: Geraldo Magela / Agência Senado - 30/05/2025

 

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