Por Joseph Coleman
Em momentos de crise democrática, aqueles que afirmam ser os guardiões da ordem liberal muitas vezes se revelam seus sabotadores mais desajeitados. À medida que a extrema-direita consolida poder nos Estados Unidos — por meio da supressão de votos, conselhos escolares ideológicos, manipulação de distritos eleitorais (gerrymandering), proibição de livros e nacionalismo teocrático crescente — muitas das instituições que se orgulham de defender a “democracia liberal” optaram pela paralisia, pela falsa equivalência ou pelo apaziguamento. Confundem pose com resistência e decoro com princípio. O resultado é um centro político que toma a neutralidade como virtude e acaba sendo cúmplice da própria ruína.
É importante observar que “liberalismo” aqui não se refere à política de esquerda ou ao Partido Democrata, mas sim ao arcabouço ideológico mais amplo que há muito sustenta as instituições políticas dos EUA: uma crença em soluções baseadas no mercado, governança procedimental, reforma incremental e na neutralidade das instituições cívicas. Esses princípios, juntos, formam a tradição do liberalismo clássico. Quando atualizado para a era moderna, o liberalismo clássico evolui para o neoliberalismo, priorizando liberdades individuais, gestão tecnocrática e fé no capitalismo como força motriz do progresso social. Esses valores podem entrar em conflito com o autoritarismo aberto, mas continuam profundamente comprometidos com a preservação do consenso das elites, da disciplina de mercado e da continuidade institucional — mesmo quando essas mesmas instituições estão sendo instrumentalizadas pela extrema-direita.
É um padrão antigo, familiar a qualquer um que estudou a ascensão do autoritarismo. A ameaça reacionária raramente chega pela porta da frente, marchando em botas militares. Ela se constrói lentamente, por meio da erosão das normas, da mobilização do ressentimento e da reconfiguração das instituições existentes. Quanto mais essas mudanças se assemelham a comportamentos políticos “normais”, mais fácil se torna para as instituições liberais racionalizá-las. E racionalizam mesmo, emitindo declarações contundentes, apelando para regras procedimentais ou defendendo a santidade abstrata de “ambos os lados” — enquanto um dos lados afia a faca.
O culto ao equilíbrio da mídia
Nenhuma instituição exemplifica essa dinâmica com mais clareza do que a grande imprensa. Na ânsia de evitar acusações de partidarismo, os meios de comunicação liberais internalizaram uma doutrina de falso equilíbrio que distorce a compreensão pública das realidades fundamentais. Décadas de pressão da direita — desde a narrativa da “mídia liberal” de Nixon, até os gritos de “notícias falsas” de Trump — empurraram os veículos tradicionais para um ciclo interminável de autoflagelação, em que até mesmo a verdade mais básica precisa ser “equilibrada” por um contraponto, por mais absurdo ou malicioso que ele seja.
Assim, a mudança climática se torna um “debate”. O racismo vira uma questão de “opinião”. As mentiras eleitorais são colocadas lado a lado com estatísticas de comparecimento às urnas, como se ambas fossem igualmente confiáveis. Isso não é jornalismo objetivo; é covardia institucional. E criou-se um cenário midiático no qual a retórica autoritária explícita pode ser higienizada e inserida no discurso dominante sem jamais ser chamada pelo que realmente é.
A crise se agrava com o vício da mídia no espetáculo. Figuras como Trump são um ímã para a audiência, e as decisões editoriais são muitas vezes guiadas menos por responsabilidade cívica do que por métricas de engajamento. Ao tratar movimentos próximos ao fascismo como entretenimento em vez de ameaças existenciais, as plataformas de mídia ajudam a normalizar o extremismo e a dessensibilizar o público para suas consequências. A indignação vira ruído de fundo — a linha entre cobertura e cumplicidade se torna turva.
As universidades como cidadelas da concessão
O ensino superior há muito se imagina como a vanguarda de uma sociedade democrática, formando pensadores críticos, desafiando dogmas e ampliando o acesso ao conhecimento. No entanto, sob o neoliberalismo, a universidade foi reformulada à imagem do mercado. As estruturas de governança agora se assemelham a conselhos corporativos. Doadores exercem enorme influência — 2024 foi um ano de doações recordes para universidades de elite. A precariedade do corpo docente aumentou. E o estudante passou a ser tratado como um “cliente”.
Nesse ambiente, a “polêmica” é vista como um risco para a marca. Quando provocadores da direita atacam iniciativas universitárias — de programas de diversidade a grupos de solidariedade à Palestina — os administradores geralmente não reagem com uma defesa baseada em princípios, mas sim com avaliações de risco e estratégias de relações públicas. Cancelam eventos, investigam professores e emitem declarações vazias sobre “diversidade de pontos de vista” que, na prática, significam ceder a pressões organizadas. Isso não é liberdade de expressão — é rendição institucional disfarçada de civilidade.
Pior ainda, universidades de elite se posicionam como centros bipartidários de discurso, enquanto continuam aceitando dinheiro de regimes autoritários, firmas de private equity e conglomerados de combustíveis fósseis. Esses relacionamentos não são acidentais. Eles refletem uma profunda confusão moral no seio da academia liberal — uma relutância em tomar partido, mesmo quando o que está em jogo são os direitos civis, o conhecimento público ou a sobrevivência humana.
Mesmo nos currículos escolares, o perigo está presente. Antes comprometidos com teoria crítica, história do trabalho ou estudos anticoloniais, muitos departamentos estão sendo marginalizados em favor de áreas voltadas para STEM e habilidades “empregáveis”. A linguagem corporativa da eficiência, métricas e desempenho penetrou nos planos de aula, nos objetivos pedagógicos e nas avaliações de professores. Em nome de preparar os alunos para o mercado de trabalho, as universidades estão, de forma sutil, abandonando seu papel como incubadoras da consciência democrática.
Think tanks que pensam pequeno
Os think tanks (laboratórios de ideias) centristas também legitimaram a deriva autoritária — não por malícia, mas por estreiteza de visão. Obcecadas com o “pragmatismo”, essas organizações frequentemente veem a política como um ajuste tecnocrático, e não como uma transformação estrutural. Abraçam o bipartidarismo como um fim em si mesmo. Suas recomendações de políticas evitam desafiar hierarquias consolidadas, preferindo reformas modestas que mantêm intactas as estruturas de poder existentes.
À medida que o autoritarismo se torna impossível de ignorar, essas instituições respondem com relatórios moderados e fóruns públicos, promovendo soluções compatíveis com o mercado e apelos vagos à “unidade” nacional. Mas param antes de nomear as raízes capitalistas da crise ou de enfrentar como décadas de governança neoliberal desmantelaram os bens públicos, geraram alienação e abriram espaço para movimentos reacionários. Ao se recusarem a ver o próprio sistema como culpado, garantem que qualquer resistência será, na melhor das hipóteses, meramente cosmética.
Basta ver quantos centros de políticas centristas promoveram a “escolha escolar” ou a reforma educacional corporativa, apresentando-as como soluções inovadoras para comunidades carentes. O resultado real, claro, foi o desfinanciamento das escolas públicas, a proliferação de escolas com fins lucrativos e a erosão dos sindicatos de professores — condições ideais para a reação cultural e a captura da educação pela direita.
Esse incrementalismo, essa reação alérgica à análise estrutural, não é neutra. É ideológica. E ajuda a preservar a ilusão de que o capitalismo pode ser ajustado em nome da justiça, mesmo quando suas contradições radicalizam parcelas cada vez maiores da população.
A moderação como ideologia
A ilusão central das instituições liberais é a crença de que a moderação é, por si só, estabilizadora. Mas a história sugere o contrário. Da Alemanha de Weimar à Rússia pós-soviética, os centristas muitas vezes se mostraram os menos preparados para as exigências da defesa democrática. Seus instintos políticos — compromisso, desescalada, preservação institucional — são inadequados para um momento em que um dos lados já não acredita nas normas democráticas, e o outro se recusa a ver esse fato com clareza.
Nos EUA de hoje, essa ilusão se manifesta em tempo real. Moderados lamentam a polarização, repreendem ativistas por uma retórica “divisiva” e insistem que devemos retornar a um centro mítico. No entanto, quando um dos lados quer desmontar a democracia, não existe centro — apenas aquiescência ou resistência.
Até mesmo líderes do Partido Democrata, ainda cativos da classe de doadores e da ortodoxia dos consultores, frequentemente se apegam a normas que já foram usadas contra eles como armas. Enquadram a oposição em termos de “decência”, e não de poder. Imploram por unidade, enquanto a direita se organiza para a dominação. Essa leitura equivocada do cenário deixou a esquerda e a classe trabalhadora expostas, à espera de salvaguardas institucionais que já não funcionam.
Uma coragem de outro tipo
Confrontar o autoritarismo exige mais do que continuidade institucional — exige clareza moral. Significa nomear o nacionalismo branco como tal. Significa recusar espaço para propagandistas sob o pretexto de “diálogo”. Significa reconhecer que o poder não cede apenas ao debate racional, mas sim à pressão organizada e à mobilização popular.
As instituições liberais não estão condenadas à irrelevância. Ainda podem desempenhar um papel nesta luta — mas somente se abandonarem suas ilusões de neutralidade e tomarem partido na luta por democracia, justiça e dignidade humana. Este não é um apelo ao partidarismo, mas à coragem: coragem para ser honesto, ousado e agir de acordo com os valores que afirmam defender.
Isso também significa abraçar uma política de classe que há muito tempo foi retirada da pauta nos círculos liberais de elite. Para enfrentar o autoritarismo, é preciso nos organizar em torno das condições materiais — salários, moradia, saúde e educação. Essas questões não são distrações da guerra cultural. Elas são o terreno dessa guerra. A direita vence quando convence as pessoas comuns de que as elites liberais são desprezíveis e indiferentes — a esquerda vence quando aparece com solidariedade, não com slogans.
À medida que a maré autoritária sobe, a pergunta não é se as instituições liberais serão destruídas. É se elas vão se destruir por meio da inação, da covardia e da cumplicidade.
Os riscos estão claros. A hora é tardia. E a neutralidade é um luxo que já não podemos nos permitir.
Joseph Coleman é historiador, educador e orgulhoso representante sindical. Formou-se em Filosofia (B.A.) e possui mestrado em História (M.A.).
Texto traduzido do Peoples World por Luciana Cristina Ruy