Notícia - FENATRAD apresenta relatório ao Relator Especial da ONU sobre formas contemporâneas de escravidão

Na última quarta-feira (20 de agosto), a Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas se reuniu com o Relator Especial da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre formas contemporâneas de escravidão. 

A reunião fez parte da agenda da visita ao Brasil do Relator Especial, professor Tomoya Obokata, que ocorre de 18 a 29 de agosto de 2025 – período no qual o Relator e sua equipe se reunirão com órgãos de Estado e organizações da sociedade civil para colher subsídios acerca da escravidão moderna no Brasil – e integrou a programação do XIII Congresso Nacional das Trabalhadoras Domésticas – Sônia Livre.

Durante o encontro, realizado na sede da Defensoria Pública da União, em Brasília (DF), foram discutidos os elementos trazidos no relatório apresentado pela FENATRAD, em que são reportadas desde boas práticas até lacunas na legislação sobre trabalho doméstico e deficiências nas medidas de prevenção e repressão ao trabalho escravo doméstico e de assistência às vítimas no pós-resgate.

Participaram da reunião, pelo Alto Comissariado das Nações Unidas sobre Direitos Humanos (OHCHR), o Relator Especial prof. Tomoya Obokata, Satia Jennings (OHCHR) e Yuki Suzuki (OHCHR); as dirigentes sindicais Cleide Pinto (FENATRAD), Lúcia Helena Conceição de Souza (FENATRAD) e Valdirene Boaventura (FENATRAD), a assessora e pesquisadora Louisa Acciari (FENATRAD) e o advogado Douglas Mota (FENATRAD).  

Relatório da FENATRAD demonstra a distância entre os dados oficiais sobre escravidão moderna de trabalhadoras domésticas e a realidade conhecida pelos Sindicatos

Entre 17 e 25 de maio de 2025, a FENATRAD conduziu pesquisa com as suas organizações de base (20 entidades, somando sindicatos e associações de trabalhadoras domésticas), e que foram respondidas por representantes sindicais dos municípios e Estados de: Acre, Amapá, Bahia, Campina Grande (PB), João Pessoa (PB), São Paulo (SP), Franca (SP), Campinas (SP), Piracicaba (SP), Chapecó (SC), Espírito Santo, Nova Iguaçu (RJ), Rio de Janeiro (RJ), Volta Redonda (RJ),Pelotas (RS), Pernambuco, Piauí, Boa Vista (RR) eSergipe.

Foram reportados 130 casos de trabalhadoras domésticas que foram obrigadas a testemunhar ou a participar de relações sexuais não consentidas no local de trabalho – sendo mais de 50 no estado de Roraima (RR), onde se encontra a maior população de pessoas migrantes no serviço doméstico

No levantamento, os Sindicatos responderam sobre sua experiência, nos últimos 05 anos, no atendimento a vítimas que experimentaram ao menos um dos indicadores de trabalho escravo, na forma como listados no artigo 149 do Código Penal (condições degradantes de trabalho; jornada exaustiva; restrição de locomoção; trabalho forçado; servidão por dívida). 

Ao todo, foram reportados 430 casos de trabalhadoras domésticas que foram obrigadas a permanecer no local de trabalho contra a sua vontade; 275 sofreram agressões físicas no local de trabalho; 345 sofreram com a retenção de documentos ou objetos pessoais.

Os dados colhidos pela FENATRAD também demonstram a íntima conexão entre a escravidão doméstica e outras graves violações de direitos humanos: foram reportados 130 casos de trabalhadoras domésticas que foram obrigadas a testemunhar ou a participar de relações sexuais não consentidas no local de trabalho – sendo mais de 50 no estado de Roraima (RR), onde se encontra a maior população de pessoas migrantes no serviço doméstico. 305 trabalhadoras reportaram alguma forma de preconceito ou discriminação relacionadas à aparência pessoal, fenótipo ou cor da pele; 485 começaram a trabalhar antes dos 15 anos. 

Também chama atenção a normalização de violações aos limites legais e constitucionais à jornada de trabalho: foram reportados 419 casos de trabalhadoras que não tiveram nenhuma pausa ou intervalo para descanso; 440 que trabalharam sem jornada de trabalho definida (“sem hora para acabar”); e 352 que trabalharam em escalas de 12 horas de trabalho seguidas por apenas 12 horas de descanso (12X12h), 24x24h, 24x48h, 48x48h ou similar – vale lembrar que a Lei Complementar nº 150/2015 e a Constituição brasileira apenas autorizam a escala especial 12X36h, como exceção ao regime de 8h diárias e 44h semanais.  

Quando comparados com os dados oficiais (127 trabalhadoras domésticas resgatas nos últimos 05 anos; e 136 desde 2017), as informações reunidas pela FENATRAD e suas entidades de base sugerem que a quantidade de trabalhadoras domésticas que permanece em trabalho escravo é muito maior do que a conhecida por meio de documentos oficiais

Falta de representação nas COETRAE’s E NETP’s.

Os dados colhidos pela FENATRAD também demonstram a sub-representação das trabalhadoras nos principais organismos oficiais de prevenção e combate ao trabalho escravo e de assistência às vítimas. 

Os canais de denúncia e as redes de apoio às vítimas acabam não chegando até nósrelatam as dirigentes no levantamento da FENATRAD

Embora a Portaria nº 3.482/2021 do Ministério de Direitos Humanos e Cidadania atribua às Comissões Estaduais de Erradicação do Trabalho Escravo (COETRAE) e aos Núcleos de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (NETP) as tarefas de receber denúncias; coordenar ações de diversos órgãos responsáveis pela fiscalização, investigação e repressão ao trabalho escravo; assistir e monitorar as vítimas no pós-resgate; 41% dos sindicatos responderam que não foram envolvidos nas comissões locais. 

Muitas das trabalhadoras domésticas também responderam espontaneamente que os canais de denúncia e as redes de apoio às vítimas “acabam não chegando até nós”

A falta de representação da categoria profissional nos organismos de combate ao trabalho escravo e de apoio àsvítimas pode resultar na formulação de políticas e ações sem a escuta e a participação daquelas que mais conhecem a realidade do trabalho doméstico e das trabalhadoras resgatadas: as próprias trabalhadoras domésticas; dificultando a amplitude do acesso aos canais de denúncia e a eficácia das medidas de prevenção e combate à escravidão moderna.

 

Liberdade imediata para Sônia Maria de Jesus

Durante a reunião, a FENATRAD também pediu a atenção do Relator Especial sobre o caso da trabalhadora doméstica Sônia Maria de Jesus. 

Vítima de trabalho escravo, Sônia foi resgatada em 2023 da residência dos empregadores, o desembargador do TJ-SC Jorge Luiz de Borba e sua esposa, Ana Cristina Gayotto de Borba, onde trabalhara desde os 09 anos de idade. 

Após visita irregular dos ex-Empregadores ao abrigo de vítimas de violência doméstica onde se encontrava, em Florianópolis, Sônia (50) – mulher negra e surda que, no momento do resgate, não tinha conhecimento de LIBRAS, encontrando-se com a saúde bucal deteriorada e com um tumor no útero –, foi levada de volta à residência onde trabalhou em regime forçado por quase 40 anos

  Além de favorecer um sentimento de impunidade na sociedade brasileira, especialmente nos casos de trabalho escravo (somente em 2024, foram resgatados 2.004 trabalhadores), a morosidade no julgamento do HC que busca a liberdade de Sônia perpetua as graves violações de direitos humanos identificadas na ação fiscal do Ministério do Trabalho e Emprego, e desrespeita garantias específicas de celeridade na tramitação de processos em favor de pessoas com deficiência (art. 9º, inc. VII, da Lei brasileira de inclusão) e de vítimas de violência doméstica e familiar (art. 1.048, inc. III, do CPC).

Neste ano, em que completamos 21 anos da Chacina de Unaí, quando, em 28/01/2004, quatro trabalhadores do Ministério do Trabalho e Emprego foram assassinados numa ação fiscal em Unaí – MG, exigir liberdade para Sônia é também reafirmar nosso compromisso com o combate ao trabalho escravo e pelo trabalho doméstico decente. 

Sônia Livre! 

A íntegra do relatório pode ser acessada no link abaixo.

https://fenatrad.org.br/biblioteca-de-midia/2025/08/RelatorioONU-agosto2025.pdf


Fonte:  Fenatrad - 01/09/2025

 

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