As dificuldades dos trabalhadores e das trabalhadoras nos diversos ramos da mineração, que envolvem comumente a todos os baixos salários, periculosidade, insalubridade, segurança, direitos trabalhistas em geral, a presença feminina no setor e as mudanças climáticas que já estão obrigando o mundo a rever seu modo de consumo e exploração do planeta, foram alguns dos temas debatidos no Encontro da Mineração, que está sendo realizado na sede da CUT Nacional, em São Paulo, de quinta-feira (13) a sexta-feira (14).
Na mesa de debates desta manhã, além dos representantes sindicais de diversos estados e entidades do país, participaram Myles Sullivan, da USW/USA –Sindicato dos mineradores dos Estados Unidos; Lucineide Varjão da Industriall Global; Gonzalo Martinez da Solidarity Center/AFL-CIO e do Ministério das Minas e Energia, José Luiz Ubaldino de Lima, Diretor do Departamento de Geologia e Produção Mineral e Vitor Eduardo de Almeida Saback, Secretário de Geologia, Mineração e Transformação Mineral. (Veja abaixo a programa e os participantes).
Na abertura o secretário-geral da CUT Nacional, Renato Zulato, que é do ramo químico, contou que o encontro após conversas no 14º Congresso Nacional da CUT (CONCUT), em outubro do ano passado.
“É importante conhecer o universo e a realidade do mundo do trabalho da mineração. Aqui nós temos companheiros de vários estados do Brasil, cada estado tem a sua realidade, mas o objetivo nosso é resolver as situações que estão acontecendo com os trabalhadores”, disse.
Renato ressaltou como a transição energética afetará o setor, os trabalhadores e a população das cidades. Como exemplo, citou os parques eólicos que estão sendo construídos no Rio Grande do Norte, que segundo informações obtidas num seminário, estão impactando negativamente a agricultura familiar e as comunidades locais.
“Os quilombolas, os trabalhadores atingidos pelas novas energias, que dizem ser limpa, que de limpa não tem nada, estão adoecendo, sendo contaminados, perdendo a saúde”, contou Zulato. Leia aqui o que foi debatido no Seminário no RN.
Os dados do setor da mineração no Brasil foram abordados por Michaella Aramaqui, do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), que apresentou um quadro geral da extração de minério no Brasil, suas reservas, a localização e qual a finalidade de cada um dos tipos de minério.
A apresentação traz dados do emprego no setor que tem baixos salários (sobretudo na extração de minerais não-metálicos), informalidade, rotatividade, pejotização e trabalho análogo à escravidão (Radar SIT).
Entre 2005 e 2023, a extração de minérios teve 1.222 trabalhadores e trabalhadoras em condições análogas à escravidão (apenas 240 estabelecimentos fiscalizados). 33,6% destes trabalhadores foram encontrados na extração de pedra, areia e argila, 30,8% na extração de minério de ferro e 19% na extração de metais preciosos. Em 2021 foram registrados 3.011 acidentes de trabalho na extração de minérios (AEAT). Leia o documento aqui.
No mundo, o setor de mineração emprega 3,7 milhões de trabalhadores, sendo 1,5 milhões em países desenvolvidos e 2,2 milhões em países subdesenvolvidos.
Entre os inúmeros temas debatidos, as relações internacionais que envolvem a transição energética e o uso dos minerais nessa transformação, foi destacada pelo representante da Solidarity Center/AFL-CIO, entidade ligada à Federação Americana do Trabalho e ao Congresso de Organizações Industriais (AFL–CIO). Gonzalo Martinez disse que deverão ser anunciadas diferentes, novas iniciativas e projetos ao longo dos próximos meses.
“Uma das coisas que a gente sabe é que a articulação americana no Brasil muitas vezes tem um interesse enorme no que eles chamam “critical minerals”, que são os minerais do futuro, basicamente, o que vai sustentar a transição energética. E a gente sempre quer insistir como sindicalistas americanos queé preciso trazer a voz do trabalhador para essas articulações e não deixar isso tudo acontecer de porta fechada ou em outras pautas. Então, para nós, isso aqui é um passo, entre vários, para manter sempre a trabalhadora ou trabalhador em primeira fila em tudo que tem a ver com a parte internacional do nosso trabalho. Então, é para isso que o Solidaried Center está aqui, para poder criar esses laços de solidariedade internacional”, afirmou Gonzalo.
O debate sobre a transição energética também foi destacado por Aroaldo Oliveira, da Industriall Brasil, entidade formada por sindicatos que representam trabalhadores e funcionários administrativos das indústrias metalúrgica, química, energética, mineira, têxtil e afins em todo o mundo. Segundo ele, a transformação energética terá inúmeras consequências para o mundo do trabalho.
“A gente está assistindo todo dia os desastres que vêm acontecendo no Rio Grande do Sul, mas tem milhares de outros acontecendo no dia a dia. Então isso força todo um debate, de que rumo nós temos que levar a humanidade e isso tem muito a ver com o modelo de consumo e o modelo de produção que a gente tem hoje. Então a rota que a gente constrói e caminha é para a economia com menos carbono, descarbonizada, para a gente tentar amenizar ou mitigar. E como vamos incluir os trabalhadores, os territórios ou outros atores sociais que são impactados com essa transição”, diz.
Aroaldo defende que esse debate não seja feito somente pelos governos e pelos empresários porque eles irão desenhar com a lógica deles, que é de concentração, de apropriação sobre recursos naturais.
“O debate da mineração está no centro da descarbonização porque a mineração vai dar o tom dessa transição energética. E muito está em jogo nesse momento, principalmente nos desenhos dos acordos comerciais com o Mercosul, que o Brasil vem fazendo com a comunidade europeia e os minerais são um ponto importante lá e também na China, como é o caso do lítio. Então, tem muito em jogo que a gente precisa debater”, afirmou
Para que todo esse debate chegue na ponta, que são os trabalhadores do setor, Lucineide Varjão da Industriall Global, disse que é preciso ir até onde eles estão e ver de perto a situação em que se encontram.
“A mineração é um setor que adoece muito, não é à toa que eles se aposentam jovens, uma idade diferenciada dos demais trabalhadores. Ainda assim têm alterações na lei que estão em andamento no Congresso Nacional. Por isso não podemos nos isolar”, alertou Lucineide.
O sindicalista e trabalhador mineiro Myles Sullivan, da USW/USA, cuja entidade representa 80 mil trabalhadores no Canadá destacou que hoje a mineração é mais importante do que antes. A demanda é alta e, é preciso mudar isso, mesmo que haja desafios significativos com a transição e as mudanças energéticas.
“Nós merecemos melhores condições de trabalho, com pagamentos, pensões, benefícios, proteção de saúde melhores. Então, eu acho que precisamos discutir o que podemos fazer juntos em relação à organização e negociações com os outros trabalhadores; como podemos nos beneficiar juntos, o que podemos aprender com nós mesmos, o que funciona aqui que não funciona no Canadá? E se funciona aqui, por que não funciona no Canadá e o outro lado?”, questionou Sullivan.
Ele ainda lembrou que as mulheres estão entrando no mercado de trabalho da mineração, mas que elas trabalham com equipamentos de proteção feitos para homens e precisam andar três, quatro vezes distâncias maiores, para irem ao banheiro.
“Essas são algumas das coisas que temos que mudar. Os trabalhadores devem se levantar por seus direitos de trabalho e devem sair mais fortes com isso”, convocou Sullivan à uma solidariedade global.
Da Secretaria Setorial de Minérios, da Confederação Nacional dos Químicos (CNQ), Álvaro Luiz Alves, relatou o que encontrou em visitas feitas aos trabalhadores e trabalhadoras de mineradoras que a população dessas localidades não tem envolvimento com a mineradora, pois muitas vezes, elas não empregam mão de obra local e deslocam o produto por via aérea. Outra questão é a baixa remuneração dos mineiros.
“A remuneração chega às vezes em R$ 4 mil, R$ 6 mil, mas não é o salário, do peão que está lá na frente, que quando sai ele perde tudo e não chega a dois salários mínimos”, contou. Outro dirigente sindical disse que o salário na Vale é de apenas R$ 2 mil. Há casos em outras pequenas mineradoras que o valor é de apenas um salário mínimo.
“As mineradoras não cumprem a lei, nem na questão da segurança. Vi muito trabalhador exposto ele não recebe nem pela periculosidade, nem insalubridade. Existem leis, mas as a empresa não cumpre e quando os sindicatos vão à Justiça cobrar o direito do trabalhador demora anos. Temos ações que já duram 16 anos”, contou.
Além da baixa remuneração, Álvaro citou os acidentes de Mariana e Brumadinho e que as mineradoras Vale e Samarco, responsáveis pela tragédia, demoram a pagar indenizações aos trabalhadores que sofreram as consequências da queda da barragem na cidade, apesar das inúmeras decisões judiciais para que as empresas façam os pagamentos.
Governo Federal diz estar aberto a ouvir reivindicações
O Secretário de Geologia, Mineração e Transformação Mineral, Vitor Almeida, participando do encontro online, disse que o Ministério das Minas e Energia estão com as portas abertas para os trabalhadores do setor. Segundo ele, é preciso reforçar o papel especialmente dos trabalhadores, na Agência Nacional de Mineração (ANM), que tenha o olhar social, desde a comunidade onde a mineração está inserida até o papel do trabalhador.
Ele citou o importante papel a mineração na economia brasileira, já que o país é o primeiro na produção de nióbios, o segundo na produção de ferro e o terceiro na produção de Bauxita, mas a questão é como desenvolver a comunidade que vive nessas regiões produtoras de minério.
“Como é que nós vamos ter uma comunidade que valoriza e entende que a mineração é importante ali onde ela está, com trabalhadores satisfeitos e, entendendo o que ele está fazendo, a importância daquilo que está sendo feito, o porquê que está sendo extraído, para onde está sendo levado e, eventualmente, por que que não está sendo transformado. Por que tem esse desequilíbrio na remuneração dos trabalhadores? Como é que a gente pode equilibrar isso aqui do ponto de vista de políticas públicas?, questiona.
“E isso é uma política que o presidente Lula sempre menciona, a transformação mineral aqui no nosso país, para não vendermos simplesmente commodities. Então, esses são, é um pouco dos desafios que a gente faz”, complementou Almeida.
Os participantes
Coordenação: Renato Zulato Secretário Geral CUT/Brasil e Rosana Sousa - Solidarity Center/AFL-CIO
CUT Brasil
CNQ - Presidente Geralcino Santana
Solidarity Center/AFL-CIO - Gonzalo Martinez
Industriall Brasil - Aroaldo Oliveira
Industriall Global - Lucineide Varjão
USW/USA - Myles Sullivan
09h45 - Tema 1: Cenários da mineração no Brasil e no mundo
Convidados:
Ministério de Minas e Energias - José Luiz Ubaldino de Lima - Diretor do Departamento de Geologia e Produção Mineral
DIEESE - Michaella Aramaqui
Secretaria Setorial Minérios - CNQ - Álvaro Luiz Alves
USW/USA - United Steelworkers - Myles Sullivan
Confira a próxima programação
13/06 (Quinta-feira)
14h - Mesa 2: Resgate histórico da organização de trabalhadores em mineração na CUT
Coordenação: Maria Farias Secretária Comunicação CUT/Brasil e Tadeu Porto – Secretário-Adjunto de Comunicação CUT/Brasil
Convidados:
Jacy Afonso de Mello - ex-dirigente da Direção Executiva da CUT Nacional e atual Presidente PT Distrital/DF
João Trevisan - Membro do Fórum Nacional da Mineração Responsável - FONAMIR
Lucineide Varjão - Secretária de Relações Internacionais da CNQ e Vice-Presidenta Industriall Global Union para a América Latina e Caribe
José Luismar de Sousa (FITEM)
José Maria Soares (FTIEMG)
16h30 - 17h00 - Apresentação sobre Mineração e Barragem: André Viana, Presidente do Sindicato de Itabira e Conselheiro da Vale
17h10 às 18h - Debate e encaminhamentos do dia
14/06 (Sexta-feira)
9h - Mesa 3: Desafios da mineração e sua construção na estratégia da CUT
Coordenação: Geralcino Santana Presidente da CNQ e Rosana Sousa - Solidarity Center/AFL-CIO
- Direitos Humanos:
Jandyra Uehara - Secretaria de Políticas Sociais e Direitos Humanos/CUT
- Meio ambiente:
Milton dos Santos Rezende - Direção Executiva Nacional/CUT
- Saúde do trabalhador, Aposentadoria especiais e normas regulamentadoras:
Marta Freitas - Mestre em Gestão Integrada em Saúde do Trabalho e Meio Ambiente, Assessora técnica na bancada dos trabalhadores na Comissão Nacional Tripartite Temática (CNTT) da Normas Regulamentadoras
Loricardo de Oliveira - Presidente da CNM/CUT e Membro da Comissão Tripartite Paritária Permanente (CTPP)
14h às 14h45 – Mesa 4: COP 30 - Secretaria de Relações Internacionais/CUT Brasil
Coordenação: Renato Zulato Secretário Geral CUT/Brasil e Álvaro Luiz Alves Coordenador do Secretaria Setorial Minérios da CNQ
14h45 às 17h00 – Mesa 5: Sistematização e Plano de ação para os trabalhadores e trabalhadoras em Mineração