Por Mark Gruenberg
Mesmo enquanto as negociações se arrastam entre a direção anti-sindical da Starbucks e os trabalhadores de 640 de suas lojas em todo o país, a gigante do café não consegue resistir a antagonizar seus funcionários e continuar violando a lei trabalhista.
E a saga do que aconteceu há mais de três anos na loja da Starbucks em Sylmar, Califórnia, não apenas ilustra a animosidade da empresa em relação a seus trabalhadores e sindicatos, mas também lança luz — como se fosse necessário — sobre a multidão de problemas da legislação trabalhista dos EUA.
Diga-se: “justiça tardia é justiça negada” — o caso dos trabalhadores da Starbucks em Sylmar é um estudo de caso.
O antagonismo ocorreu quando os trabalhadores de Sylmar tentaram votar em 2022 para se filiar ao Starbucks Workers United, um setor do sindicato Service Employees, que tem ajudado os trabalhadores a organizar outras lojas.
Mas as violações da lei pela empresa — incluindo ameaças de reter aumentos salariais, interrogatórios coercitivos e até a demissão de um dos principais apoiadores do sindicato — foram tão ultrajantes que os trabalhadores perderam a eleição em meados de 2022. Eles apresentaram uma denúncia de prática trabalhista desleal (ULP) e obtiveram uma decisão contra a Starbucks do juiz administrativo do Conselho Nacional de Relações Trabalhistas (NLRB), Ira Sandron, em dezembro de 2023.
Mas a história não termina aí. Agora, toda a confusão em Sylmar está na corte federal de apelações em Nova Orleans, um dos tribunais mais conservadores dos EUA, dominado por juízes nomeados por Donald Trump.
A Lei Nacional de Relações Trabalhistas de 1935 declara que é política dos EUA que os trabalhadores se organizem tanto para melhorar sua condição quanto para se proteger contra os patrões. Mas a secretária do Trabalho de FDR, Frances Perkins, e o senador que patrocinou a lei, Robert F. Wagner, Sr. (D-NY), assumiram que os empregadores obedeceriam à lei, violando-a apenas em casos raros.
Assim, para incentivar soluções pacíficas, as penalidades começaram baixas e permaneceram baixas. A suposição não mudou, mas 90 anos de ódio patronal aos sindicatos e a seus trabalhadores mostram que essa ideia está totalmente errada.
Quando os patrões violam a lei, fazem isso de forma intencional, muitas vezes com um “piscar de olhos” de consultores contratados — os union-busters (antissindicais profissionais) — que os informam sobre as penalidades fracas da lei: pequenas multas, avisos de “não faremos mais isso”. Talvez uma nova eleição.
Custa muito mais a uma empresa colocar uma espécie em risco sob a lei ambiental ou violar os direitos civis de alguém do que violar os direitos trabalhistas de seus funcionários. E, nos casos de lei trabalhista, a empresa — o empregador — age de forma intencional e simplesmente não se importa.
O movimento sindical organizado já tentou pelo menos três vezes, desde 1977, corrigir as falhas da lei trabalhista, e perdeu todas as vezes devido ao poder corporativo, às contribuições de campanha e às cascatas de mentiras sobre os “chefes sindicais.”
A tentativa mais recente foi o Lei de Proteção ao Direito de Organizar (PRO Act), que naufragou no Senado em 2021, então controlado pelos democratas. Dois “independentes” atrelados a interesses corporativos — Joe Manchin, da Virgínia Ocidental (empresas de combustíveis fósseis), e Kyrsten Sinema, do Arizona (setor bancário) — o abandonaram. Manchin se recusou a votar pela mudança da regra do filibuster (obstrução) no Senado, que permitiria a votação do PRO Act. Sinema simplesmente se calou.
Sem Manchin e Sinema, o presidente do Comitê de Trabalho do Senado, Bernie Sanders (Ind-Vt.), não conseguiu reunir a maioria necessária para forçar a votação em plenário do PRO Act.
Mas voltando ao caso de Sylmar.
Leis sem dentes
O juiz administrativo Ira Sandron emitiu uma ordem de “cessar e desistir” contra a Starbucks. Ele ordenou que a empresa reconhecesse que violou a lei trabalhista, publicasse um aviso admitindo isso e prometesse não repetir a infração. Como penalidade, determinou o pagamento retroativo de salários aos trabalhadores demitidos. Sem multas. Sem ordens judiciais. Sandron determinou também uma nova eleição em Sylmar.
O que o conselho NLRB não fez foi declarar que as violações da empresa eram tão disseminadas e ultrajantes em todo o país que a ordem de cessar e desistir deveria ser nacional. O membro do NLRB David Prouty acompanhou seus colegas na decisão geral, mas defendeu que a obrigatoriedade de novas eleições fosse estendida a todas as lojas da Starbucks.
Segundo ele, as “numerosas práticas trabalhistas desleais (ULPs) em nível nacional eram mais do que suficientes para comprovar” a disposição da rede de cafés em violar a lei. Sua “reincidência exigia uma ordem ampla de cessar e desistir”, afirmou.
Mas ainda mais do que as novas eleições, o maior problema com a Lei Nacional de Relações Trabalhistas (NLRA), enfraquecida ao longo de 90 anos, talvez seja o princípio de que “justiça tardia é justiça negada.”
A Starbucks tentou uma infinidade de táticas para impedir a votação antes do pleito. E embora o juiz Sandron tenha decidido em favor dos trabalhadores da loja de Sylmar, sua decisão saiu um ano e meio depois de a empresa ter violado a lei, devido ao acúmulo de casos no NLRB. Não há indicação se os trabalhadores prejudicados em Sylmar conseguiram outros empregos, foram reintegrados ou ainda permanecem na empresa.
O segundo problema está nas punições — ou na falta delas. O caso de Sylmar ocorreu antes de a então conselheira-geral do NLRB, Jennifer Abruzzo — indicada por Joe Biden e principal autoridade de aplicação da lei no órgão — convencer o conselho a aumentar as penalidades contra empresas que violassem a legislação trabalhista ao punir ou demitir ilegalmente trabalhadores.
As penalidades eram, no máximo, apenas o pagamento retroativo de salários.
Jennifer Abruzzo e o conselho (NLRB) decidiram que as punições deveriam incluir não só os salários atrasados devidos aos trabalhadores — descontados os ganhos que eles tivessem conseguido enquanto aguardavam a decisão do órgão — mas também o reembolso de gastos que tiveram de assumir para manter a si mesmos e suas famílias vivos.
Isso incluía compensar trabalhadores que precisaram pagar do próprio bolso o plano de saúde, acumular dívidas no cartão de crédito para arcar com aluguel ou financiamento de carro, além de despesas de procura de emprego.
Essas novas penalidades atingiam as empresas mais diretamente no bolso. Mas o conselho determinou que seriam prospectivas, não retroativas. Se fossem retroativas, cobririam os trabalhadores da Starbucks em Sylmar. Agora, até mesmo essas penalidades mais duras estão em dúvida.
Quando o regime Trump voltou ao poder, ele demitiu Abruzzo. Seu sucessor, o conselheiro-geral interino William Cowen, anunciou que as novas punições mais pesadas ficariam em segundo plano diante da necessidade de resolver rapidamente os casos de práticas trabalhistas desleais (ULPs), dado o acúmulo de processos no NLRB. Se isso significasse multas menores e penalidades mais brandas, “paciência”.
O PRO Act teria facilitado muito a atuação do NLRB para, após decidir que uma empresa violou a lei trabalhista, conseguir ordens judiciais (injunctions) contra novas práticas ilegais. Cowen, em outro memorando, limitou os pedidos de injunctions.
Tudo isso se soma ao fato de que mudanças aprovadas pelos republicanos na Lei Nacional de Relações Trabalhistas, combinadas a decisões judiciais, transformaram o processo de organizar trabalhadores, vencer eleições de reconhecimento sindical e conquistar um primeiro contrato coletivo — muitas vezes o maior obstáculo para os trabalhadores — em um longo e verdadeiro campo minado.
É assim que o caso dos trabalhadores da Starbucks em Sylmar levou três anos para sequer chegar a uma audiência no Quinto Tribunal de Apelações dos EUA, em Nova Orleans.
Detalhes de Sylmar
As questões centrais em Sylmar eram as cargas pesadas de trabalho, especialmente no horário de fechamento, e os tradicionais baixos salários da Starbucks. Os trabalhadores David Ramirez e Jason Untaran procuraram o Starbucks Workers United (Sindicato dos Trabalhadores da Starbucks), e Ramirez começou a conversar sobre sindicalização com os demais baristas. O apoio cresceu rapidamente.
A Starbucks respondeu cortando horas de trabalho dos líderes, reduzindo seus salários, oferecendo benefícios aos trabalhadores de lojas não sindicalizadas, mas negando-os às lojas — incluindo Sylmar — onde havia organização. Também promoveu reuniões de “audiência cativa”, das quais os trabalhadores eram obrigados a participar sob ameaça de punição. Os chefes ainda disseram aos funcionários que, se não gostassem do salário da Starbucks, poderiam sair.
“A mensagem ainda era de que, se os trabalhadores se sindicalizassem, a Starbucks se recusaria a fornecer o apoio adicional” que eles buscavam, incluindo um aumento salarial prometido. Isso constitui “uma ameaça ou implicação de que o empregador tomará alguma medida para tornar inútil o apoio sindical”, afirmou o NLRB em sua petição ao tribunal.
“Como o conselho há muito reconhece, quando um empregador responde a manifestações de apoio ao sindicato convidando trabalhadores insatisfeitos a pedirem demissão, os empregados entendem que o empregador ‘considera a atividade sindical e a permanência no emprego essencialmente incompatíveis.’
“Quando essa mensagem vem de um gerente que tem poder de demitir, os trabalhadores entendem razoavelmente isso como uma ‘ameaça velada de dispensa’”, disse o NLRB ao tribunal de apelações.
As táticas funcionaram. Os trabalhadores de Sylmar perderam a eleição de reconhecimento sindical e, logo em seguida, em 1º de julho de 2022, a Starbucks demitiu ilegalmente Jason Untaran.
Seu “crime” final, além da defesa do sindicato? Untaran havia organizado uma reunião entre os baristas de Sylmar e o deputado democrata local Tony Cárdenas, que depois publicou uma forte declaração nas redes sociais apoiando a campanha de sindicalização.
Exceto pela reunião com Cárdenas, as táticas da Starbucks contra os trabalhadores de Sylmar foram idênticas às violações da lei trabalhista que pratica em outros lugares. E se assemelham, quando não são idênticas, às estratégias usadas por patrões antissindicais em qualquer setor contra campanhas de organização.
“Provas substanciais apoiam a conclusão do conselho de que a Starbucks violou repetidamente” a lei trabalhista “coagindo os funcionários nas semanas anteriores a uma eleição sindical”, escreveu o juiz administrativo Ira Sandron. Ele ordenou uma nova eleição, sob a condição de que a Starbucks não violasse novamente a lei trabalhista.
“Em conversas individuais com” os trabalhadores Edison Sosa, Jason Untaran e David Ramirez, “a Starbucks ameaçou ilegalmente suspender novos benefícios por causa da campanha sindical e retirar benefícios já existentes se os trabalhadores escolhessem a representação sindical.
“A Starbucks também disse à trabalhadora pró-sindicato Barbara Pichardo Panegas que a representação sindical seria inútil e a convidou a pedir demissão em vez de buscar melhorias por meio da negociação coletiva.
“Com a aprovação dos tribunais, o conselho há muito considera tais declarações como coercitivas. O conselho também concluiu de forma razoável… que a Starbucks interrogou ilegalmente Untaran quando vasculhou sentimentos pró-sindicais que ele havia mantido em privado, em circunstâncias que aumentaram a coação da pergunta.
“Provas substanciais também sustentam a conclusão de que a demissão de Untaran violou a lei trabalhista. A Starbucks o demitiu pouco depois de sua atividade sindical pública, alegando má conduta pela qual outros trabalhadores em situação semelhante receberam punições mais brandas. Assim, o conselho inferiu de forma razoável que a Starbucks” o dispensou porque ele era um dos principais organizadores”.
Tudo isso violou a lei trabalhista, decidiu o juiz Ira Sandron. Mas — também típico nos casos trabalhistas — a Starbucks recorreu à Justiça, forçando o NLRB a defender sua decisão e os trabalhadores. Isso prolongou o caso dos empregados de Sylmar por quase mais um ano.
Como vencer?
O movimento sindical tem travado uma longa campanha para fechar as brechas criadas pelas corporações na NLRA. O PRO Act eliminaria a maioria dos obstáculos criados por empresas e tribunais contra a sindicalização e a negociação coletiva.
A proposta também determinaria a arbitragem obrigatória, caso as empresas se recusem a firmar os primeiros contratos com seus trabalhadores — como a Starbucks vem fazendo com as 640 lojas sindicalizadas em todo o país desde que os funcionários, junto com o Starbucks Workers United, conquistaram suas primeiras vitórias, em Buffalo (N.Y.) e arredores, há quase três anos.
E aumentaria as multas para violações da lei trabalhista para US$ 50 mil na primeira infração e US$ 100 mil nas reincidências.
Tudo isso deixa os sindicatos e trabalhadores com o que parece ser uma campanha inútil por uma reforma da lei trabalhista. O que significa, segundo alguns estudiosos do trabalho, que é hora de mudar de tática. Esqueçam o PRO Act, afirmam eles. Esqueçam os processos complicados do NLRB. É preciso ir para as ruas, em massa, como o movimento sindical fez nos anos 1930 — antes mesmo da aprovação da Lei Nacional de Relações Trabalhistas.
Assumam riscos, como os trabalhadores fizeram durante a Grande Depressão. Forcem mudanças, de baixo para cima.
Mas desta vez, como mostrou uma recente reunião de sindicalistas em Chicago, não façam isso sozinhos. Reúnam amplo apoio comunitário, organização por organização, trabalhador por trabalhador, casa por casa. E então — e somente então — empreendam marchas em massa pela justiça dos trabalhadores.
O premiado jornalista Mark Gruenberg é chefe do escritório de Washington, D.C., do People’s World.
Texto traduzido do People´s World por Luciana Cristina Ruy